Publicado em 16/10/2023, às 07h07 por Dra. Ivanice Cardoso
Quando comecei a escrever essa coluna, minhas filhas ainda acessavam pouco os recursos digitais. Eu era criticada pelo fato de elas, saindo da primeira infância, ainda não terem seus próprios tablets. Essa decisão sempre foi muito norteada por uma pergunta essencial: estamos permitindo que nossas crianças sejam crianças ou estamos acelerando etapas?
Essa pergunta sempre me trazia como resposta as evidências de que quanto mais precoce e desmedida fosse a interação criança-máquina, mais dificuldade as crianças tinham para desenvolver as habilidades essencialmente humanas. Estamos tão envolvidos com as tecnologias cada vez mais imersivas e generativas que faz parecer que estamos oferecendo “o melhor” para os nossos filhos.
Tudo é tão fascinante que raramente paramos para perceber que quanto mais precoce for a digitalização da vida, menos vida nossos filhos terão. Opa, antes de você achar que estou sendo muito radical, eu explico. A infância é a fase estruturante de uma vida toda. É na infância que criamos as bases emocionais, físicas, psíquicas, cognitivas ou motoras que vão nos sustentar durante toda a vida adulta.
Se na base as crianças não estão sendo preparadas na sua essência humana, quando a vida apresentar os seus desafios fora das telas, nossos filhos não saberão o que fazer. Logo, não saberão viver. Nós já vivenciamos essa realidade quando o mercado de trabalho aponta dificuldades em contratar pessoas que apresentem habilidades emocionais ou cognitivas para determinadas áreas de trabalho.
Um estudo recente da Unesco sobre o impacto da presença excessiva de tecnologias em sala de aula também traz essa preocupação. O estudo diz que o desenvolvimento de habilidades nas crianças hoje acaba sendo substituído pela simples memorização em áreas importantes como matemática. O mesmo estudo indica que o uso realmente enriquecedor de tecnologias digitais por crianças nas salas de aula exige manter a humanidade como centro das decisões, olhando a criança com o olhar pedagógico ao invés de considerá-las “miniadultos”.
Encontrar o equilíbrio não é tarefa fácil. Mas a gente sabe que “tapar buracos” na vida dos filhos não vai funcionar. Ou ainda, que projetar as nossas expectativas nos filhos sem lembrar o tempo todo que ainda são crianças não é justo. Lembrar que ainda são crianças exige humildade de nós, os adultos. Que tal a gente começar esse movimento que olha a criança como criança enquanto ela realmente é criança?
Principalmente sabendo que a infância é uma etapa da vida em que as conexões presenciais, físicas e sensoriais vão fazer da vida toda da sua criança uma vida mais feliz pra ser vivida. Agora que você sabe que tecnologias em excesso e sem finalidade clara só destroem a infância, bora pavimentar pra valer o caminho que leva às conexões que fortalecem a vida.
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