Publicado em 04/05/2016, às 09h54 por Ana Guedes
Aqui no sul, temos tradições.
Não que eu ache isso um motivo de orgulho, pois acho muito sábio mudar de ideia e aceito todas as inovações que me agradam.
Mas tem coisas que passam de pai pra filho, de amigos pra amigos, sem nem sabermos o sentido.
Isso nada tem a ver com a guerra dos Farrapos.
Falo, por exemplo, de comer bergamota (ou mexerica, depende de onde você, que aqui é tu, nasceu).
A gente come bergamota no sol de inverno.
De preferência, tomando mate e embaixo da árvore.
Não sei por que, e nem precisa, mas a gente faz isso.
Ontem quando saiu o primeiro “solaço” depois da esfriada do fim de semana, levava eu o Pedro para o colégio (que pra ti pode ser escola) e resolvi interromper o minecraft, este vocês conhecem e é interestadual ou intergaláctico, e perguntar:
– Ô, Pedro! Amanhã de manhã se tiver sol, tu quer ir comer bergamota em baixo da minha árvore?
– Hein?! Mas tu não tem árvore!!! Quer que eu construa uma aqui na tua casa?
– Não, obrigado. Eu tenho a minha desde pequena.
Abaixa o celular e te ajoelha aí atrás: tá vendo aquela árvore no meio da praça? Pois então, é lá que eu comecei a comer bergamota.
– Hammmm????
E contei ao Pedro, que aqui, onde ele vive, às vezes fora do minecraft, quando eu era guria (ou garota, ou menina!) minha melhor amiga me telefonava e eu corria pra encontrá-la debaixo da árvore.
Não tínhamos WhatsApp, então tinha que ligar pra saber quem levava o mate, a canga e as bergamotas.
E mais tarde os livros.
Sim, começamos naquela árvore na escola, a árvore era um arbusto, depois passamos pra faculdade, ela cresceu e, quando fizemos juntas nosso primeiro consultório, ela já era uma árvore de tronco forte.
Contei ao Pedro que embaixo daquela árvore a gente conversava sobre as festas da escola, sobre as provas, estudávamos os grossos livros da faculdade e planejávamos os finais de semana em Santa Catarina.
Comíamos bergamotas e chorávamos as pitangas também.
Deitávamos no sol e pensávamos na mochila da viagem pra Europa.
Olhávamos o relógio e era hora de voltar pra casa pois o almoço estava na mesa.
Nossas conversas estão salvas nas nuvens.
Não no iCloud.
Mas no tronco amadurecido daquela árvore.
Chegou o inverno aqui no pampa e o Pedro aceitou meu convite.
Vamos esperar a Carolina e o Arthur, filhote dela, chegarem ao Brasil em outubro.
Ela também faz 40 e temos muito o que falar praquela já senhora árvore.
Vamos acertar as contas do novo, nosso e dela, inverno.
Vamos mostras as crianças, o mate, as bergamotas, e a ainda a velha canga.
O minecraft vai junto.
Porque o amor pode se modificar se aprendermos a andar pra frente.
Bom inverno a todos, e não esqueçam de provar a bergamota, seja ela berga, ou mexerica.
Embaixo da árvore.
Com sol.
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