Publicado em 25/09/2020, às 09h34 por Toda Família Preta Importa
**Texto por Jandaraci Araújo, mãe de Diumara e Luana, atua como Subsecretária Empreendedorismo Micro e Pequenas Empresas do Estado de São Paulo
Amo ler as matérias e entrevistas de mulheres fabulosas que decidiram empreender depois da maternidade. Histórias inspiradoras que abordam em sua maioria, a decisão de abandonar uma carreira executiva para partir rumo ao “encantado mundo” do empreendedorismo, tendo como principal argumento: ter mais tempo com suas crias. Essa mudança de rumo também reflete o machismo corporativo, que inviabiliza a permanência e o avanço de talentos femininos. De acordo um estudo realizado pela FGV em 2017, cerca de 50% das mães são demitidas no primeiro ano após retornar da licença-maternidade. Mesmo com o avanço de empresas “mother friendly” – que possuem programas que beneficiam mães e pais – há muito a avançar nessa pauta, e só isso daria outro artigo.
A conversa aqui é sobre a realidade de milhões de brasileiras mães solo, como eu, que sequer tiveram a opção de escolher um caminho ou outro, mulheres que a necessidade empurrou para o empreendedorismo. Chefes de família que foram empreender, não para ter mais tempo com seus filhos e filhas, mas para poder alimentá-los, vesti-los e tudo mais, porque empreender era a única opção possível e digna. Para contextualizar um pouco, no Relatório Especial de Empreendedorismo Feminino de 2019 elaborado pelo Sebrae, o empreendedorismo por necessidade é proporcionalmente maior entre as mulheres (44%). Ainda em 2019, a Preta Hub em parceria com o J.P Morgan realizou um estudo com afro empreendedores e constatou que no universo dos que empreendem por necessidade, 46% informaram que iniciaram o seu negócio por falta de emprego.
Mesmo com as várias redes de apoio ao empreendedorismo feminino, temos muito que avançar na pauta de equidade de gênero. Além de todos os desafios da maternidade e do empreendedorismo, muitas mulheres tiveram que lidar nesse período de pandemia com a incerteza da continuidade dos seus negócios e com o aumento exponencial da violência doméstica. Há questões estruturais que são comuns a todas mulheres independente de raça ou classe social, como a desigualdade salarial que faz mesclar emprego formal e empreendedorismo para complementar a renda, ausência de uma ampla rede de creches públicas, e a quase ausência de políticas públicas e privadas que visem verdadeiramente alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres.
Romantizar o empreendedorismo de mães é deslustrar as desigualdades que tanto nos impede de avançar social e economicamente. Deslustra-se o desafio da múltipla jornada, a não inserção no mercado de trabalho formal e a precarização do emprego. Precisamos “tocar no assunto” e repensar essa tríade maternidade x empreendedorismo x desigualdade para a “era” D.C (Depois Covid-19), vamos juntas?
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