Família

“Nossa primeira comunidade é nossa família”: Manoel Soares abre coração para falar sobre educação

Manoel Soares diz que a família é tudo para ele - Mylena Saza
Mylena Saza

Publicado em 17/10/2022, às 13h14 por Redação Pais&Filhos


O apresentador, escritor, jornalista, ativista social e cofundador da CUFA (Central Única das Favelas), Manoel Soares, é pai de Vitória, de 23 anos, Alex, de 21 anos, Leonardo, de 18 anos, Miguel, de 6 anos, Ezequiel, de 4 anos, e Izael, de 3 anos. Casado com Dinorá Rodrigues, também já escreveu livros para o público infanto-juvenil. Em entrevista exclusiva, ele fala sobre a importância da diversidade, inclusão e criação antirracista para todos.

Como a paternidade chegou na sua vida?

A paternidade não chegou em minha vida de forma premeditada. Tive o Leonardo, meu primeiro filho, aos 22 anos. Então, de fato mudou a minha forma de enxergar e de me relacionar com o mundo.

Ser pai sempre fez parte dos seus planos?

Não, mas acredito que algumas práticas e idealizações familiares são fruto de antigas gerações. Na história negra brasileira durante o período de escravidão, se um pai amasse um filho, na hora da separação a criança sofreria mais, então o pai cortava o elo de amor para que o filho não se tornasse tão vulnerável. Meu pai me enxergava como um problema, e quando soube que teria um filho, também não soube como lidar com a situação e minha primeira reação foi a negação, algo que não me orgulho. Acho importante levantar essa questão de como nós, homens, temos um comportamento repugnante de jogarmos toda a responsabilidade e decisão para as mulheres. E hoje, ser pai é o que me motiva e me faz ter forças para seguir sempre em frente, pois amo minha família e me sinto um homem realizado com todos os meus filhos.

Como foi a sua infância? A sua criação te preparou para ser pai?

Passei a minha primeira infância em Baixa Fria, dentro de um complexo de favelas em Salvador. Meu pai era traficante, por isso, cresci dentro de um contexto de violência, que superei graças ao cuidado e afeto da minha mãe Ivonete. Ela era uma mulher à frente do seu tempo, foram coisas que guardo para sempre no meu coração. As dificuldades foram muitas, mas ela soube lidar muito bem com tais dificuldades e isso me inspira a ser um pai
melhor a cada dia, independente dos obstáculos.

Como é a sua rotina com seis filhos?

Meus filhos Leonardo e Miguel moram com a mãe deles, mas sempre tenho contato com todos. Após o trabalho e todas as tarefas que preciso cumprir, tento me manter presente na rotina deles, por isso durmo 3 horas por dia, porque é a forma que encontrei de conseguir passar o máximo de tempo possível com meus filhos.

Como você concilia carreira e paternidade?

Amo meu trabalho e mais ainda os meus filhos, por mais que seja uma tarefa difícil conseguir conciliar tudo. É necessário ter uma gestão de tempo para estar presente em todos os âmbitos, mas também conto com uma equipe que ajuda a dar conta das tarefas. Poder estar perto dos meus filhos e acompanhar o crescimento e a evolução deles, é um esforço muito satisfatório. Quem educa uma criança é a tribo, então eu precisaria que todas as pessoas em volta compreendessem a importância de uma criação antirracista.

Você hoje está à frente de um programa em rede aberta. Qual é a importância da representatividade em todas as esferas para as crianças?

A minha responsabilidade como comunicador é fazer com que as crianças negras, periféricas e todas as esferas que me veem como igual e me acompanham na TV, possam se identificar além do contexto de violência e visões negativas associadas à comunidade negra, a cor da pele e a situação financeira. Acredito que estar inserido neste espaço inspira as crianças que vêm de uma realidade desigual a não desistirem da luta. Viver com referências de diversidade quebra de certa forma a subestimação e a visão distorcida que a comunidade negra, mulheres, PCDS e todas as esferas de minorias enfrentam. A representatividade tem papel importante na desconstrução do racismo estrutural e do preconceito, viver com referências de diversidade quebra de certa forma a subestimação e a visão distorcida que a comunidade negra, mulheres, PCDS e todas as esferas de minorias enfrentam, sendo vistas como pessoas inferiores.

Manoel Soares com os seis filhos
Manoel Soares diz que a família é tudo para ele (Foto: Mylena Saza)

Racismo deve ser assunto de todos. Como abordou isso com seus filhos?

Acho de extrema importância, mas não é uma missão fácil. Como pai de cinco crianças pretas, preciso preparar os meus filhos para conviverem em uma sociedade racista e infelizmente, isso faz com que eu seja obrigado a ensiná-los como tomar um enquadro da polícia se comportando de forma pacífica para que não sejam pré julgados pela cor da pele, por exemplo, e fazer isso no intuito de que eles sofram menos racismo possível é dolorido. Meu quinto filho nasceu com a pele clara e esse foi o motivo principal para escrever meu último livro “Para meu amigo branco”, a princípio o livro seria apenas para ele com o título ‘Para meu filho branco’, no intuito de passar algumas orientações para que ele não se tornasse uma pessoa opressora dentro de uma sociedade historicamente racista, mas o livro começou a interessar amigos, o projeto cresceu e o livro foi lançado com o título atualizado. Acredito que quem educa uma criança é a tribo e não apenas uma pessoa, então eu precisaria que todas as pessoas em volta compreendessem a importância de uma criação antirracista e por isso criei o livro.

Qual a importância de uma criação antirracista desde cedo?

Acredito que o racismo na maioria das pessoas não seja intencional, mas evidencia a necessidade de autoconhecimento no assunto, e é neste quesito que encontro a importância da criação antirracista desde cedo. Vivemos em um país onde as pessoas de pele clara são educadas a serem opressoras por mais que não queiram, dentro de uma sociedade que já foi escravocrata, as pessoas negras sempre serão subestimadas e vistas como inferiores inconscientemente. Então na criação dos nossos filhos, precisamos ter a consciência de levantar esses assuntos para a desconstrução do preconceito. É escutando o povo negro, os que enfrentam diariamente o racismo, que vamos conseguir entender os pontos necessários para essa criação.

O que seus pais te ensinaram que você quer passar para seus filhos?

Tudo que aprendi com a minha mãe, meus tios e minha família, faz uma diferença muito grande para a criação que hoje dou aos meus filhos, como a importância de aprender a cuidar um do outro. Se não cuidarmos dos membros da nossa própria família, todo nosso discurso de fé e de bondade cai por terra. Aprendi que nossa primeira comunidade é a nossa família e é muito importante sabermos cuidar e zelar por ela.

Como a sua paternidade se transformou?

A paternidade mudou a minha vida, acredito que ser pai é o caminho mais próximo da divindade, pelo fato de nos tornarmos anfitriões de um ser. Quando você se torna pai, algumas mudanças são necessárias, como compreender as questões da masculinidade tóxica, por exemplo, e analisar onde preciso me higienizar de preconceitos para me tornar uma pessoa melhor. Permite que esteja em uma constante transformação.

Você tem filhos de idades distintas, você sente que a forma de ver a infância mudou nesse período?

Sim, era muito novo quando tive os meus primeiros filhos e acreditava que treiná-los para serem homens sem medo, seria bom para eles. Hoje acho que eles sofreram demais com isso. Nas minhas últimas paternidades, me preparei para dar mais afeto. Assim como o mundo mudou, eu também mudei e quero que os meus pequenos aproveitem ao máximo a infância deles!

E você também levanta a bandeira da inclusão. Você ou seus filhos já sofreram algum tipo de preconceito por eles serem autistas?

Sim, meus filhos já viveram situação de preconceito. Mas quando tracei uma linha do tempo de como era há 15 ou 20 anos, sei que hoje eles têm uma rede muito maior de suporte e leis que garantem sua inclusão. Hoje o mundo está se preparando para a diversidade neuro divergente. Acho muito importante que todos possam compreender esse universo, pois teremos então uma inclusão de fato!

Manoel Soares com pose
Manoel Soares falou sobre como tenta preparar os filhos para os preconceitos que serão enfrentados (Foto: Pino Gomes)

Como pai de uma menina, como você enxerga o machismo hoje? Como luta contra ele?

Ser pai de uma menina fez com que eu começasse a me rever enquanto homem machista. Para lutar contra o machismo, precisamos primeiro ter a empatia de enxergar como as mulheres são prejudicadas na sociedade. Compreender essas questões faz com que eu entenda o problema e queira me juntar à luta e me esforce para uma desconstrução diária.

O que você deseja para o presente e futuro dos seus filhos?

Desejo para os meus filhos que eles sejam compreendidos como são, sejam admirados e tenham toda sua potencialidade reconhecida.

Para você, família é tudo?

Com certeza. Pra mim, a família é a coisa mais sagrada que eu tenho na minha vida, eles são a motivação da minha existência.

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