Publicado em 31/10/2018, às 17h14 - Atualizado em 30/01/2020, às 19h28 por Gabrielle Molento, Filha de Claudia e Pedro
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), o câncer de mama é o mais comum entre as mulheres e Aline entrou nessa estatística aos 33 anos de idade após o nascimento do terceiro filho, Rafael.
Nós esbarramos na história dela dentro de um grupo do Facebook para mães, chamado Mães Amigas, da nossa embaixadora Pollyana Pinheiro. Na publicação Aline contava sua história com um vídeo das filhas cortando seu cabelo após o início do tratamento.
Emocionou a gente e resolvemos entrar em contato, porque apenas dessa luta ser compartilhada por tantas outras brasileiras, merece ser ouvida. E pode trazer força e esperança para outras mães, leia o relato completo:
“Tenho 36 anos e descobri que tinha um câncer de mama aos 33. Estava amamentando Rafael, meu terceiro filho, que tinha 5 meses na época. Morava em São Paulo. Minha obstetra me deu um papel para fazer alguns exames 3 meses após o parto e disse que um deles era para fazer apenas depois que parasse de amamentar.
Quando deu 5 meses do meu parto me lembrei que não tinha feito os exames e fui fazer. Acabei fazendo todos, inclusive esse que não deveria – porque não lembrava qual era. Foi então nesse exame, um ultrassom de mama, que descobri um nódulo de um pouco menos de 2 centímetros. Não sabia o que era um nódulo, que poderia ter a ver com câncer.
Fui ver então o mastologista para fazer uma biopsia e descobri que tinha um tumor, também conhecido como carcinoma ductal invasivo. Esse é o tipo de câncer hormonal que 70% das mulheres têm. Ele se alimenta de estrógeno e cresce com o estrógeno do nosso corpo.
Foi então que médico me mandou parar de amamentar e disse que teríamos que ter que fazer a cirurgia 15 dias depois que eu parasse. Não sabia o que ia fazer. Tinha um bebê pequeno, que mamava superbem. Meu médico disse então para introduzir a mamadeira. Esse foi o momento mais difícil do meu tratamento. Tive que parar de amamentar porque não podia ter leite para a cirurgia. Mas lembrei do que minha amiga disse: ‘Seu filho precisa de uma mãe inteira, não uma mãe capenga. Você é mãe de três filhos’.
No dia que deveria fazer o desmame, olhei para o Rafael e não consegui. Só parei a hora que fui fazer alguns exames que faltavam e, para isso, tomei remédios e contraste na veia. Acredito que meu filho teria mamado até os seus 3 anos, era super fácil amamentar ele. Depois de 15 dias fiz a cirurgia, que preservou pele e mamilo no meu caso.
Ele colocou silicone no meu peito e, por isso, não podia pegar o Rafael por 10 dias. Minha mãe, minha sogra me ajudaram muito, mas foi muito dolorido. Depois de um tempo eu falei chega e fui aos poucos pegando ele e retomando o meu vínculo com ele – e que acho que ele deve ter sentido.
O medico me recomendou 16 quimioterapias, sendo 4 vermelhas – que faz cair cabelo e pêlos do corpo – e 12 brancas. Eu fui sempre muito vaidosa, tinha o cabelo longo. O médico me falou para cortar o cabelo, mas eu não quis, quis ver o processo, ver ele caindo. Aí fiz a primeira quimioterapia, que é injetável e foi no braço. Me falaram que até 20 dias depois meu cabelo poderia cair. E de fato, os pelos e cabelos do meu corpo começaram a cair. Antes da segunda sessão da quimioterapia vermelha decidi cortar meu cabelo em um corte super lindo e moderno.
Quando eu cheguei no hospital o médico me perguntou se eu não queria fazer uma toca de gelo – ele disse que uma moça com o mesmo tipo de tumor que o meu tinha feito e havia funcionado. Eu decidi fazer então. Tive que colocar uma toca geladíssima em meu cabelo molhado a cada meia hora. Mesmo assim, caiu. Três dias depois da segunda sessão da quimioterapia vermelha eu não conseguia nem passar condicionador.
Naquele dia fiquei no luto. Passei o dia chorando, mas foi o único dia. Ai decidi cortar o cabelo. Como eu tenho duas filhas pequenas que não entendiam o que eu estava passando, decidi que eu precisava ter uma vida normal pra elas. Chamei as meninas e disse “Vamos cortar o cabelo da mamãe agora?”. E elas foram cortando. Foi uma dinâmica linda, nada aterrorizadora em um momento tão difícil. Elas perguntavam o porque de eu estar cortando e eu dizia que achava lindo e estava calor.
Durante a continuação da quimioterapia ficava muito enjoada, tinha muita náusea e comia pouco. A primeira sessão da quimioterapia foi desesperadora porque pensava que precisava me nutrir. Na mesma semana da sessão eu ficava enjoada. Depois de dias conseguia comer e me recuperava. Fazia esse ciclo a cada 21 dias.
A quimioterapia vermelha parece que é cumulativa, uma a rainha de copas. É muito agressiva. Depois comecei a quimioterapia branca, que era a cada 7 dias e dá uma sensação de resfriado. Durante as quimioterapias fiz o exame de gene, que mostrou que eu tinha uma alteração genética. Ai tive que fazer mastectomia. Durante esse processo não sabia se ia usar peruca, ficar careca… Até comprei uma peruca, mas não conseguia usar porque não queria esconder minha vivência. Mas ser careca chama muita atenção, ainda mais com um bebê no colo. Ai comecei a usar lenço e me senti muito confortável.
Quando eu terminei o tratamento me senti bem mais fraca. Tinha essa preguiça de conversar. Fiquei sem sobrancelha, cílios, me questionando quem eu era. Porque você fica muito diferente internamente e externamente. A gente sem expressão, a pele fica sem visco. A sensação que eu tinha é que eu estava sendo envenenada viva. E quando termina o tratamento parece que você saiu de uma guerra.
Você se pergunta pra que eu tive o câncer? O que eu tive que melhorar? Me desenvolver? Quais amizades tive que melhorar? Quando você tem um problema grave as pessoas buscam imediatamente uma espiritualidade como uma ajuda para seus problemas. E quando você tem um problema assim seu mundo desaba, mas por outro lado você tem uma chance dentro de você de ser a protagonista. É como um gatilho que mostra que você não tem nada a perder, pode arriscar.
Isso vem de uma força interna, como se você começasse a agir com a cabeça e o coração e mandasse o problema para bem longe para ser a protagonista. A paciente oncológica está sempre dentro de nós, mas ao mesmo tempo que traz esse realismo, traz uma esperança que salva. Você pensa em reescrever o seu roteiro. A gente só cresce na dificuldade. Primeiro vem a dificuldade e um medo que pensou que nunca fosse sentir. Depois, você absorve isso e, na lucidez, acha força para ter coragem e assumir uma responsabilidade com você e com os outros.
Eu não passo por câncer sozinha, meu marido, minha mãe, meus amigos, meus filhos, minha família e outras pessoas que eu aconselho passam comigo. Às vezes eu recebo feedback de outras mães por ser uma inspiração. Isso me fortalece como ser humano. Ao mesmo tempo que me sinto como uma bomba relógio com a doença, sinto que é um presente. Quando vou perder a paciência com minha filha, por exemplo, eu penso em usar outra forma do amor que eu tenho como ser humano, para sair do automático.
Por eu ter essa doença não tenho mais facilidade em fazer isso. É tão difícil quanto se não tivesse. A vida vai andando normal, apesar de ser um susto no inicio, mas eu faço um exercício todos os dias para estar presente – no agora. A doença traz um acelerador de olhar diferente, uma empatia… porque facilmente a gente é engolido pela rotina. E outra: quem não tem medo? Mas os corajosos passam pelo medo. A virada da chave é superar esse medo.
O mais lindo de tudo é que eu me fortaleço muito quando faço as ações voluntárias com outra mães que tem câncer de mama, como conversar com elas ou maquiá-las. Eu não sou mais uma na multidão. Eu estou lá querendo falar para a outra que é possível vencer se ela for mais leve. Parece que quando a gente se doa, abre um espaço de luz dentro da gente.
Eu reconheço que não tenho braço para fazer tudo o que queria para ajudar o próximo, mas eu agradeço o que eu consigo. Tenho algumas limitações, mas o que faço é cheio de vida e amor. O câncer é uma coisa muito fria, o quanto conseguirmos esquentar essa doença – inclusive fisicamente, já que escalda pés, banhos quentes e atitudes assim são muito importantes para pacientes oncológicos – melhor.
Porque a gente conseguiu ajudar minimamente alguém, e isso já deve nos deixar feliz. Existem altos e baixos, mas se escalarmos aos pouquinhos, colocando um pé em cima do outro de casa vez, dá tudo certo. Eu não consigo matar o mal – como as incertezas e as inseguranças -, mas eu consigo colocar ele no lugar certo: que não é dentro da gente.
Eu tenho ido a bastantes congressos e assistido muitos vídeos e, hoje, existem mais pessoas com câncer do que com problemas cardíacos. Hoje, cada vez mais as mulheres mais jovens podem ter câncer.
Os médicos ainda indicam fazer a mamografia aos 40 anos. Eu dei sorte em ter descoberto meu câncer cedo. Por isso, é importante ir atrás de sua saúde, ir atrás de fazer mamografia, dos exames, mesmo que o médico diga que não é necessário. Minha dica é: mulheres, cuidem mais da saúde, façam autoexame. Não dá pra contar com a sorte.
Pra eu contar essa historia eu não preciso estar no final feliz agora. Esse ano meu câncer voltou e eu estou em tratamento. Tenho altos e baixos, mas no outubro rosa eu digo que é como eu me sentisse protegida para falar do assunto porque muita gente mostra que dá pra passar por isso. Minha meta é ser avó, por isso eu me foco tanto em atitudes pensativas. E começo a pensar agora.”
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