Publicado em 30/04/2021, às 07h52 por Toda Família Preta Importa
**Texto por Raquel Ire Okan, mulher paranaense afro-indígena, gestada em ventre ítalo roceiro. Filha de educadores do ensino público. Jovem parteira tradicional, astróloga, artista. Coração da comunidade BAOBÁ – Saberes Ancestrais
O Brasil é um território fecundo de parteiras tradicionais. O legado ancestral do Nascer em nosso país tem sua base nos saberes dos povos indígenas* e africanos. As parteiras tradicionais são guardiãs do bem-nascer. Contudo, a falta de reconhecimento e respeito a esse ofício ancestral no tecido social, em contraponto a hospitalização do parto, levou às parteiras ao perigo de extinção através de táticas perversas de perseguição e criminalização de suas crenças e práticas, ferindo assim um profundo poço cultural, fonte de água fresca de Nascer.
Atualmente, vivemos uma cultura hegemônica de parto-nascimento estruturada no paradigma ocidental, que violenta mulheres, crianças e famílias. Quando se trata da população negra, corroborado pelo racismo estrutural, as taxas de violência e negligência à assistência em todo ciclo gravídico-puerperal, apontam números muito mais altos, quando comparados a mulheres-crianças brancas, levando a um alto índice de mortalidade materno-infantil que poderia ser bem menor. Há uma urgência de retomada ancestral do nascer para que nós possamos começar a mudar essa realidade.
O racismo estrutural, fundado no processo de colonização, atinge todas as esferas sociais e não é diferente com o nascimento. A mecanização e mercantilização do parto nascimento, impulsionado pelo avanço científico-tecnológico, afastou as parteiras tradicionais do cenário dos partos e reduziu esse processo profundo da chegada de um novo Ser apenas a um processo fisiológico. Nascer é muito mais que isso. Quem assiste ao parto, o local onde ele se dá, as práticas e crenças envolta do parto-nascimento diz respeito à cultura de um povo, de uma nação. A representatividade de parteiras negras na história do Brasil diz muito sobre nós, brasileiras/os.
Quantos de nós, em um passado recente, fomos recebidos pelas mãos de mulheres negras que existiram, resistiram? Quantos de nós, hoje, somos recebidos por elas? Onde estão nossas parteiras e aprendizes de parteiras negras? Por que os saberes ancestrais das parteiras negras foram silenciados? Por que, de modo geral, as famílias negras se desconectaram tanto de suas tradições e hoje são as mais vulneráveis às violências obstétricas e neonatais dentro da instituição hospitalar? Por que quando famílias querem buscar parto tradicional, não encontram mais parteiras de sua cultura? Há necessidade de um levante.
A atuação de parteiras tradicionais negras que se firmam em saberes ancestrais africanos – como ancestralidade, circularidade, espiritualidade, comunidade, oralidade, valorização das crianças e das mais velhas e velhos, entre outros – possibilita às famílias, especialmente negras, a conexão com valores civilizatórios africanos desde o Nascer – possibilitando assim, uma vivência familiar que transforma a vida desde dentro, desde as raízes. A assistência aos cuidados de gestação-parto-nascimento-puerpério feito por parteiras afrocentradas não diz respeito somente a famílias negras, mas a toda família que sente o chamado de vivenciar um nascimento sob esse paradigma. Para famílias negras, o acompanhamento de uma parteira negra aumenta as possibilidades de satisfação da experiência de parir e nascer, pois estimula a sensação de pertencimento, tão necessário para a valorização e fortalecimento da identidade negra na diáspora brasileira.
Pela perspectiva de África, o nascimento simboliza o retorno de um ancestral e sempre tem um propósito, um destino. A parteira orienta, cuida e guarda a família nesse processo de renascimento. O cuidado é feito desde a gestação através de escuta, respeitando a individualidade de cada Ser que nasce e, assim sendo, acolhendo cada história de nascimento como única e conduzindo os processos de cura que irão facilitar a chegada da criança – desfazendo nós da ancestralidade e recontando histórias.
As rezas, ervas e os saberes repassados pelas suas mais velhas são as suas ferramentas e técnicas de trabalho. A criança que nasce, por sua vez, tem a oportunidade de ser recebida por mãos amorosas que a abençoarão em sua chegada. O vínculo que a parteira estabelece com a criança é de madrinha, de mãe de umbigo – de forma que esse Ser pode contar com uma guardiã de seu nascer, e, portanto, de seu viver, na jornada da vida. A parteira assume compromisso com os seres que recebe pela vida toda e torna-se membro da família.
A OMS estima que apenas 15% dos partos necessitem de uma intervenção cirúrgica. Os partos de baixo risco podem acontecer no domicílio assistidos por parteiras tradicionais, de forma que a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, não proíbe o parto-nascimento em lugar e na companhia de pessoas de livre escolha da família, desde que sejam respeitados os limites fisiológicos e não haja risco evidente à vida, direito maior também protegido por esta Lei. As parteiras têm compromisso espiritual com a vida e, sempre que necessário (e se possível, quando se localizam em lugares em que não há assistência médica), encaminham a gestante para atendimento hospitalar dentro de parâmetros seguros.
As parteiras ocupam um papel no tecido social que vai muito além do contexto do parto-nascimento. As parteiras são autoridade ancestral em uma comunidade. Há quem diga que elas são o coração da comunidade, pois são elas que ligam os fios da vidas que renascem. A atuação é múltipla: elas orientam, dão conselhos, mediam conflitos, acolhem, benzem, ajudam e se doam da melhor maneira que podem sempre que alguém as solicitam. Os valores e princípios tradicionais se tecem integrados à natureza e, assim sendo, os ciclos naturais da vida são respeitados e recebidos como guia na condução do trabalho. Preservam o meio ambiente e toda forma de vida, fazendo do seu ofício um processo educativo para aquelas e aqueles que estão ao seu redor.
A retomada ancestral do nascer faz-se urgente para toda humanidade. Diante do cenário institucional de violência obstétrica e neonatal que, potencializados pelo racismo, atinge mais famílias negras. Resgatar, valorizar e manter a atuação de parteiras negras que se firmam em saberes ancestrais africanos é um caminho para recriar histórias reais e subjetividades positivas e potentes do que é parir, nascer, viver. A vivência de parto nascimento pode ser um cultivo de retomada de saberes do berço civilizatório originário, África, que respeita e zela pela vida como dádiva divina.
Há muito o que se aprofundar nas reflexões decoloniais a respeito das culturas de nascimento sob a perspectiva dos saberes ancestrais. Esse fazer-dizer é um cultivo para abrir horizontes reflexivos de formas pluriversas e decoloniais que o parto-nascimento pode se dar e um chamado de reparação histórica que reconheça e valorize as práticas e crenças das parteiras afro-indígenas no Brasil. Retomar os saberes ancestrais do nascer é um caminho para transformar a humanidade desde a vida intrauterina.
*Este texto tem ênfase na cultura negra, mas a cultura indígena dos povos originários do Brasil também deve ser reconhecida e integrada às nossas reflexões e fazeres antirracistas.
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