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Marcos Piangers e Ana Cardoso fazem reflexão sobre a importância do “eu não sou todo mundo”

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Publicado em 05/01/2020, às 09h41 por Redação Pais&Filhos


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(Foto: Reprodução)

Ana Cardoso, mãe de Anita e Aurora, é jornalista, socióloga e autora dos livros A Mamãe É Rock, Natal, Férias e Outras Histórias e Quando Falta Ar.

Uma vez, numa brincadeira com meus irmãos, voltando da escola, me perguntaram se eu queria ser outra pessoa. Eu pensei bem, cocei a cabeça e respondi que não. Eu era tímida demais para admitir para os outros que eu queria ser a Ana Paula, a menina mais bonita da minha sala. Pra começar, no nome ela já era melhor do que eu. Ao invés de Ana Emília, nome de boneca de pano, ela tinha um nome normal, daqueles que ninguém pede pra você repetir porque não entendeu direito, Ana Paula. Ainda que eu não tenha falado em voz alta, aquela verdade ressoou dentro de mim. Se eu fosse mesmo ela, como seria?

Eu andaria por aí num Alfa Romeo, com motorista só pra mim, não no Fiat 147 empoeirado da minha mãe, com todas as crianças do prédio dentro (todos sem cinto, claro, porque nos anos 80 era assim). Meu cabelo seria loiro acinzentado e grosso, preso num rabo bem arrumadinho, com fru-fru cor de rosa. Eu não usaria óculos, nem aparelho nos dentes e tampouco teria vergonha das minhas pernas magricelas. Ah, como seria bom.

A partir daquela brincadeira, comecei a reparar mais na minha colega. Será que era tão bom assim ser ela? Ao invés de zoeira no carro, um motorista sisudo e imponente. No lugar de amigos estranhos, um grupinho seleto de crianças com sobrenomes de construtoras e concessionárias.

No recreio: nada de potes velhos de plástico com resto de bolo do final de semana na casa da vó, mas sim dinheiro para comprar lanche na cantina todos os dias. Olhei tanto, mas tanto para a Ana Paula, que comecei a reparar em fatos que antes me escapavam. Ela nunca ria com os meninos no fundo da sala. Também não pulava corda com o pessoal das outras turmas no recreio.

Não que pular corda fosse só alegria. Uma vez a corda empurrou minha calça pro chão, o que, por si só, já era um vexame, mas pra piorar, eu estava com ceroulas por baixo. Todo mundo riu, até eu fui obrigada a rir de mim mesma, aos 9 anos. Ana Paula nunca teria pagado esse mico. Duvido que ela usasse pijama por baixo do uniforme no inverno. Ceroulas então, nem que a vaca tossisse. Ela nunca se colocaria naquela situação. Aliás, não sei o que fazia no recreio, porque obviamente jamais me convidou para passar o intervalo com ela.

Na sala, quando a professora entregava as notas, eu espiava as dela. Gente, não é que a menina ia mal pra caramba na escola! Eu já estava me desiludindo da vida perfeita da colega quando, um dia, a vi chorando num canto do corredor. Estávamos tão íntimas na minha cabeça, que me senti na obrigação de oferecer ajuda. O problema é que ela não sabia da nossa proximidade e, entre assustada e furiosa, me recebeu assim: “Sai daqui, eu não falo com você!”.

Aí, quem chorou fui eu. Mas, só eu soube também, ninguém testemunhou as minhas lágrimas. Fui ao banheiro e me recompus antes de voltar à sala de aula. Doeu, mas naquele momento eu aprendi um sentimento que nunca mais me abandonou: como é bom ser quem a gente é.

(Foto: Reprodução)

Marcos Piangers, pai de Anita e Aurora, é jornalista, palestrante e autor dos livros O Papai É Pop 1 e 2.

É o que minha mãe me dizia quando eu comentava que todo mundo tinha uma mochila da moda, menos eu. “Você não é todo mundo!”. Se eu pedisse um tênis que todo mundo estava usando: “Você não é todo mundo!”. Se eu dissesse que todo mundo ia no cinema, e que era injusto ela não me deixar ir, só porque ela não tinha dinheiro, vocês já sabem, ela dizia: “Você não é todo mundo!”. Ela, então, deixava as coisas dramáticas, perguntando se eu copiaria as atitudes dos meus amigos em outras situações.

“Se todo mundo se jogar da ponte você também vai se jogar?”, ela perguntava. Eu respondia que não, claro que não, quero apenas uma mochila da Company, não seguir meus amigos em um salto para a morte. “Se seus amigos comerem cocô você também vai comer?”. Não, não. Certamente, não, mãe. Não precisa ser escatológica. Quando cresci, percebi que as coisas são muito mais caras do que eu imaginava.

Ganhar dinheiro se tornou tão árduo que passei a valorizar cada centavo. Até hoje, quando olho para produtos caros que todo mundo está usando, lembro do que minha mãe me ensinou: “Eu não sou todo mundo”. Não preciso de um iPhone 11. Não preciso de uma jaqueta da North Face. Não preciso ter um Jeep Renegade. Essas coisas que todo mundo faz achando que vai ser mais feliz. Aquela frase ficou tão marcada em mim que quando estava trabalhando na Rede Globo e no Pretinho Básico, em certo momento decidi que gostaria de virar minha carreira ao avesso. Decidi que iria sair da televisão e do rádio, dois empregos que pagavam bem e me proporcionavam altíssima exposição.

Minha mãe achou que eu estava louco. “Como você vai sair desses empregos tão especiais”, ela me disse. Pra ela, largar empregos estáveis e promissores era irracionalidade. “Você sabe quantas pessoas querem trabalhar nisso? Todo mundo gostaria de estar no seu lugar”, ela me disse. E eu, olhando pra ela e tudo o que me ensinou por anos, feliz por buscar minha própria felicidade e não tentar emular o sucesso alheio, grato por ter absorvido o que até ela esqueceu, respondi: “Mãe, eu não sou todo mundo”.

MORAL:
“Bom mesmo é ser nós mesmos. E deixar que os outros sejam quem quiserem também.”

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