Criança

Criança vegetariana. Pode?

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Publicado em 13/04/2011, às 21h00 - Atualizado em 18/06/2015, às 14h54 por Redação Pais&Filhos


“Quando tinha dois anos, os heróis de todas as histórias contadas antes de dormir eram animais.

Quando tinha 4, cuidamos do cachorro de um vizinho durante o verão. Eu o chutei. Meu pai me disse que não chutamos os animais.

Quando tinha 7, chorei a morte do meu peixinho dourado. Fiquei sabendo que meu pai o havia jogado no vaso e dado descarga. Disse a meu pai – com outras palavras, menos gentis – que não jogamos animais no vaso e damos descarga.

Aos 9, tive uma babá que não queria machucar nada. Colocou as coisas nesses exatos termos, quando lhe perguntei por que ela não comia galinha com meu irmão mais velho e comigo:

– Não quero machucar nada.
– Machucar nada? – perguntei.
– Você sabe que galinha é galinha, não sabe?
(…)

Meu irmão e eu nos entreolhamos, nossas bocas cheias de galinhas machucadas (…)  O que a nossa babá disse fez sentido para mim, não apenas porque parecia ser verdade, mas porque era a extensão à comida de tudo o que meus pais me haviam ensinado. Não machucamos membros da família. Não machucamos amigos nem estranhos.  Não machucamos nem sequer o estofamento da mobília. O fato de eu não ter pensado em incluir animais na lista não fazia deles uma exceção. Apenas fazia de mim uma criança, sem conhecimento do funcionamento do mundo. Até eu não ser mais. E, nesse ponto, tinha que mudar minha vida.”

O escritor Jonathan Safran Foer decidiu tornar-se vegetariano ainda criança e, depois de ter tido recaídas em várias fases da vida, retomou a bandeira do prato sem carne ao virar pai. O trecho que abre esta reportagem faz parte do livro Comer Animais (Ed. Rocco), lançado em fevereiro. Em 2006, ele e a mulher resolveram abraçar, definitivamente, o vegetarianismo ao descobrirem que estavam “grávidos” do primogênito, Sasha.

O livro, escrito 5 anos depois, revela os bastidores da poderosa indústria da carne animal nos Estados Unidos. Para escrevê-lo, Foer visitou algumas fazendas, invadiu outras tantas e não gostou nada do que viu. A forma cruel com que os animais são tratados e, principalmente, abatidos, revoltou o estômago – e a consciência – do escritor.

Mas, peraí, criança pode ficar sem carne? Idealmente, não. Pelo menos durante a fase de crescimento, que pode seguir até 15 anos. Se você é vegetariano e tem convicção de que não vai dar carne para o seu filho, o segredo é a cautela e o bom senso, com uma dieta equilibrada e rica em nutrientes.

No Brasil, o livro de Jonathan Safran Foer ganhou tradução de outra ferrenha defensora do vegetarianismo: a escritora Adriana Lisboa, mãe de Gabriel. Ela garante que o filho de 12 anos é vegetariano – “por decisão própria” – desde os 8. Ela vai além – é o que se chama de “vegana”, termo que se refere à vertente mais pura do vegetarianismo, em que não se consomem produtos derivados do reino animal: de carne branca e vermelha a mel e gelatina (que contém colágeno, retirado de tutano de ossos animais).

“Quanto mais restritiva for uma dieta, mais difícil será alcançar as recomendações nutricionais necessárias para o crescimento e desenvolvimento. O ser humano é um animal onívoro, ou seja, consome tanto alimentos de origem animal quanto vegetal. O que precisamos é de um consumo equilibrado de todos os elementos da natureza”, a ta o pediatra e nutrólogo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Mauro Fisberg, pai de Yuri.

A justificativa de muitos pais para não dar carne aos seus filhos é a ética, já que não é ético maltratar animais. No entanto, há quem diga que o que não é ético é submeter crianças muito pequenas a dietas restritas. “Não há dúvida que não é ético os pais criarem seus filhos como veganos estritos”, declarou Lindsay Allen, diretora do Centro de Pesquisa de Nutrição Humana dos Estados Unidos. Você lê a frase está no livro “Comida de Verdade – O que Comer para ser Saudável e Feliz”, de Nina Planck (Ed. Arx). Baseada em pesquisas científicas, a autora afirma que a dieta vegana pode ser arriscada, principalmente para bebês, crianças e mulheres grávidas ou em fase de amamentação.

Polêmica

A nutricionista Elaine de Pádua, mãe de Isabella e autora do livro “O Que Tem no Prato do Seu Filho? – Um Guia Prático de Nutrição Para os Pais” (Ed. Allestrade), explica que a dieta vegetariana pode trazer benefícios na prevenção e tratamento de doenças, como obesidade, hipertensão e diabetes, já que apresenta baixa quantidade de gordura saturada e colesterol, e alta de substâncias antioxidantes como vitaminas A, C, E e K. “O fato de uma dieta ser vegetariana não significa que ela é mais saudável do que uma não vegetariana. Para que isso aconteça de fato, ela deve ser planejada cuidadosamente de modo a fornecer as quantidades necessárias de carboidratos, gorduras, proteínas, vitaminas e sais minerais.” Ou seja, não é só eliminar a carne: é preciso reformular completamente o cardápio.

Já a Presidente do Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e mãe de Mariana e Luiza, Virgínia Resende Silva Weffort é categórica ao afirmar que crianças e adolescentes não devem ser vegetarianos. Segundo ela, como estão em fase de crescimento, precisam de todos os nutrientes. “A dieta vegetariana é rica em carboidratos, fibras, magnésio, potássio, folato, antioxidantes (como vitaminas C e E), mas deficiente em vitamina B12 e D, cálcio, selênio, cobre, iodo, ferro, zinco e proteínas”, enumera. Como as melhores fontes desses nutrientes são a carne, o leite e os ovos, a falta desses alimentos provocará efeitos no organismo, como a anemia ferropriva e a predisposição a infecções, assegura a especialista.

Não por acaso, médicos e nutrólogos recomendam a utilização de suplementos por adultos para suprir carências. No caso de crianças, Virgínia garante que “o melhor suplemento que existe ainda são os alimentos, que produzem absorção na medida certa e excreta o excesso dos nutrientes.”

Já o nutrólogo da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), Eric Slywitch, filho de Miron e Maria Aparecida, pensa diferente. “A dieta vegetariana bem planejada leva ao maior consumo de alimentos integrais, frutas e verduras, o que, a longo prazo, previne doenças crônicas e degenerativas. Além disso, na infância, tende a reduzir os riscos da obesidade. Quando bem planejada, a dieta vegetariana não traz malefício.”.

Mas, e o que dizer das vitaminas D e B12 e de alguns minerais, como ferro, zinco e cálcio, que não são encontrados, em grandes quantidades, em frutas, legumes e vegetais?

Segundo Eric, o único nutriente que nem sempre é possível ajustar na dieta é a vitamina B12, que deve ser suplementada. “Suplemento é importante para quem precisa deles. O uso de complementos alimentares pode ser importante em algumas situações, tanto para adultos quanto para crianças onívoras ou vegetarianas. A questão está em avaliar a real necessidade de seu uso”, pondera.

Carlos Alberto Nogueira de Almeida, pai de Maria Eduarda, e Diretor do Departamento de Nutrologia Pediátrica da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), admite que, pessoalmente, jamais recomendaria uma dieta vegetariana aos pais que levam os filhos pequenos ao seu consultório. “A tese de que a dieta vegetariana oferece mais benefícios às crianças do que a não vegetariana não tem nenhuma comprovação científica. Pelo contrário. Se não for bem conduzida por um nutrólogo, pode até causar alguns malefícios”, ressalva o médico.

Embora ninguém seja louco de concordar com maus-tratos aos animais, o fato é que a maioria dos médicos considera a proteína de origem animal importante. Segundo Mauro Fisberg, muito, aliás. “A carne é um dos elementos mais importantes para o organismo, porque fornece inúmeros micronutrientes, principalmente ferro. Se você não come carne vermelha, mas consome carne branca, consegue manter fontes adequadas de ferro. Mas, se retira completamente a carne, terá sérias restrições nutricionais, porque o ferro existente nos vegetais não tem o mesmo grau de eficiência do existente na carne”, explica.

Idade ideal?

Para Mauro Fisberg, o melhor é esperar até o final da fase do crescimento para iniciar uma dieta vegetariana, por volta dos 15 anos. Já para o nutricionista George Guimarães, especializado em dietas vegetarianas, o momento ideal é quando os pais estão suficientemente organizados e instruídos para oferecer uma dieta vegetariana que atenda às necessidades da criança.

Pais do pequeno Tito, de apenas 1 ano e 6 meses, Felipe Cainelli e Fernanda Mouco são vegetarianos há três anos e fazem uso de suplemento de vitamina B12. “Não damos nenhum complemento ao nosso filho porque ele ainda mama no peito”, diz Fernanda, uma das autoras do blog “Maternas Vegetarianas”. Apesar da pouquíssima idade de Tito, Felipe e Fernanda já se pegaram pensando na possibilidade de, um dia, o filho resolver comer carne. Como reagirão? “Enquanto nosso filho não tiver uma noção clara do que escolher, escolheremos por ele. Esse é o papel dos pais. Se, após certa idade, nosso filho mostrar interesse e vontade em comer carne, não seremos contra. A opção é toda dele”, pondera Felipe.

E essa mudança de rumo realmente acontece. A jornalista Beatriz Medina, vegetariana há 35 anos, conta que seus cinco filhos, todos criados no vegetarianismo, passaram a comer carne na rua durante a adolescência. Mais tarde, decidiram adotar a alimentação comum. “Como gostei de ser tratada com respeito pelos meus pais, tenho de respeitar as decisões deles”, argumenta.

Quando nos tornamos pais, tudo ganha um sentido diferente, inclusive a comida. Como diz Jonathan Froer, alimentar o filho não é como se alimentar: tem mais importância. “Tem importância porque a comida tem importância (sua saúde física tem importância, o prazer de comer tem importância) e porque as histórias servidas com a comida têm importância. Essas histórias unem nossa família e unem nossa família a outras. Histórias sobre comida são histórias sobre nós mesmos – nossa história de vida e nossos valores”.

Prós e contras da dieta verde

Prós

… é menos calórica, portanto as crianças tendem a ser mais magras e a desenvolver com menos frequência problemas como hipertensão e diabete;
… dietas vegetarianas ajudam a reduzir os índices de colesterol e triglicérides;
… crianças vegetarianas tendem a apresentar menos alergia quando comparadas a crianças que consomem produtos animais.

Contras

… é deficiente em vitamina D, o que pode provocar raquitismo e cáries, e B12, o que pode resultar deficiência no crescimento e anemia;
… é deficiente em cálcio, o que enfraquece os ossos, e ferro, o que pode causar anemia;
… os vegetarianos tendem a consumir carboidratos em excesso, o que pode causar diabetes e obesidade.

5 dicas para melhorar a qualidade nutricional do prato vegetariano

1. Tempere a salada com óleos vegetais, como azeite extravirgem, óleo de linhaça, óleo de macadâmia, óleo de gergelim.

2. Salpique na salada castanha-do-pará, castanha-de-caju, amêndoas sem
sal ou nozes.

3. Ofereça diariamente leguminosas, como feijão, grão-de-bico, lentilha, soja e ervilha.

4. Prepare os legumes no vapor para preservar os micronutrientes
(vitaminas e minerais).

5. Utilize a semente de linhaça na preparação de sucos, sopas, tortas, biscoitos etc.

Fonte: “O que tem no prato do seu filho? Um guia prático de nutrição infantil para pais” (Ed. Alles Trade)

Gestantes vegetarianas

A atriz Natalie Portman, recém-premiada com o Oscar por sua atuação no filme “Cisne Negro”, avisou que, após ler o livro de Jonathan Safran Foer, tornou-se uma vegetariana ainda mais consciente e engajada. O fato de Natalie estar grávida de cinco meses, porém, suscita outra questão: as gestantes podem adotar uma alimentação vegetariana? Carlos Alberto Nogueira, da ABRAN, garante que sim. Mas ressalta que, se a gestante for vegana, deve tomar cuidados adicionais em relação ao ferro, cálcio e zinco, principalmente. “É improvável que falte qualquer um desses nutrientes para o bebê, que sempre vai sugar da mãe o que precisa. Nesse caso, a preocupação mesmo é com a própria gestante. Sem a quantidade necessária de ferro, ela pode apresentar um quadro de anemia”, alerta. O pediatra e nutrólogo explica que são raras as situações em que a deficiência de ferro, cálcio e zinco é tão grave que a mãe não consegue suprir as necessidades nutricionais do bebê. “Independentemente de a mamãe ser vegetariana ou não, já se recomenda a suplementação de ferro no período gestacional”, salienta. No caso do cálcio e zinco, as mamães que consomem leite e ovos não têm com que se preocupar. Já as veganas terão que recorrer a suplementos desses minerais para reforçar a alimentação.

Para manter o equilíbrio

Na gravidez

* Grávidas vegetarianas devem tomar suplementos da vitamina B12;
* Grávidas veganas precisam tomar, também, suplementos de cálcio, ferro e zinco;
* Gestantes que não comem peixes, ricos em DHA, ácido graxo derivado do ômega 3, importante para o desenvolvimento do sistema nervoso central do bebê, devem buscar outras fontes, como o óleo de linhaça.

Na amamentação

* Mães vegetarianas devem continuar consumindo suplementos de vitamina B12 e buscando fontes de ômega 3;
* Se a mãe não conseguir amamentar, pode recorrer a fórmulas infantis à base de soja, sempre conversando antes com o pediatra.

Na infância

* Mais calorias: a dieta vegetariana tende a ter menos calorias, por isso inclua alimentos mais calóricos, como castanhas, nozes, óleos e leguminosas como o feijão.
* Mais vitamina C: associe os alimentos ricos em ferro com os ricos em vitamina C, que potencializam a absorção do mineral.
* Mais cálcio: evite alimentos com alto teor de ácido oxálico (espinafre, beterraba, acelga), que dificultam a absorção de cálcio.
* Mais ômega 3: busque o nutriente em alimentos como a linhaça.
* Fontes de proteína: ofereça leguminosas (como a soja e o feijão branco), frutas oleaginosas (pistache e semente de abóbora) e cereais (arroz, trigo e milho).

Livros indicados

Comer Animais, de Jonathan Safran Foer
O autor mergulha no mundo da pecuária industrial nos Estados Unidos e suas implicações para o meio ambiente. Ed. Rocco (www.rocco.com.br), R$41,50

Comida Vegetariana para Crianças – Mais de Cem Receitas Fáceis de Preparar, de Sara Lewis
Ajuda os pais a montarem pratos decorativos. Ed. Madras (www.madras.com.br), R$ 49,90

O que Tem no Prato do seu Filho? – Um Guia Prático de Nutrição Infantil para Pais, de Elaine Cristina Rocha de Pádua
Traz capítulos sobre vegetarianismo, sobrepeso e anemia, entre outros. Ed. Alles Trade (www.allestrade.com.br), R$45

Consultoria: Carlos Alberto Nogueira de Almeida, pai de Maria Eduarda, é diretor do Departamento de Nutrologia Pediátrica da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), tel.: (16) 3610.6176  Elaine de Pádua, mãe de Isabella, é nutricionista do Ambulatório de Saúde do Adolescente do Hospital das Clínicas de São Paulo, tel: (11) 2188.3737  Eric Slywitch, filho de Miron e Maria Aparecida, é nutrólogo da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), tel.: (48) 3234.8034  George Guimarães, nutricionista e diretor da Nutriveg, tel.: (11) 5585.3475  Mauro Fisberg, pai de Yuri, é professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), tel.: (11) 5575.3875  Virgínia Resende Silva Weffort, mãe de Mariana e Luiza, é presidente do Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), tel.: (21)2548.1999


Palavras-chave
Alimentação

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