Publicado em 12/11/2014, às 22h00 por Ana Guedes
Busquei o Pedro na escola e disse, terapeuticamente:
– Meu filho (Lágrimas 1), hoje vais dormir na vovó porque a mamãe vai começar a desmanchar a nossa casa. Eu sei que deve ser esquisito, tu nasceste lá, estás acostumado, tens teus amigos… Mas hoje tu vais pra vovó e daqui uns dias pra casa nova.
(Voz firme pra passar segurança! Para mim, claro.)
– Eu queria saber se queres pegar algo teu pra ficar estes dias na vó… Queres?
– Quero sim, mamãe, meu carrinho novo, um dragão, todos os bonecos e meu uniforme docololado!
Ponto, nova linha.
Ok! Lá fomos nós buscar os pertences do Pedro, e na minha cabeça de mãe, psicóloga e mulher, passavam cenas com, no mínimo, 400.000 caracteres: Pedro chorando, trauma, tadinho, ter que se despedir de onde nasceu, os amiguinhos… (Lágrimas 2).
Chegamos em casa, eu o abraço, sinto e me ressinto… Deixar nossa casinha…
E em 5 minutos, de mochila nas costas, ele diz:
– Tchau, casa onde eu nasci! Vamos, mãe!!!
Penso: hein? Tchau, casa onde eu nasci? Vamos, mãe!!! E os guris do prédio? E a saudade?
Ele disse que vinha visitar.
Larguei meu valente pequeno homem na casa de meus pais e fui medrosa grande mulher desmontar o lustre de cristal da minha avó. Lágrimas 3, sem parênteses. Noite nostálgica, pacotes, empresa de mudanças, obra em andamento, futuro incerto entre paredes desconhecidas. Medo de gente grande é sempre uma formiga disfarçada de elefante.
As crianças, em geral, não são assim.
Sensíveis, amáveis, profundas, sentem. Mas não pensam com 400.000 caracteres associados a medos, futuros, moralismos e problemas. Sorte delas.
Sim. Elas solucionam. Nós problematizamos.
Elas brincam, nós levamos a sério. Elas sentem. Nós ressentimos e ressentimos em busca do que já passou.
O Pedro? Já está de casa nova. O futuro dele é um presente. Eu aqui, com 38 anos e muitos caracteres, fico pensando se a casa nova vai ter bicho papão.
Não. Não vai. Os filhos nos salvam.
É só não atrapalhar, como diz um velho e sábio avô.
Mas me acontece que sou mãe.
E cresci demais. Tchau, elefante! Que me invadam as formiguinhas.
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