Publicado em 01/04/2020, às 16h03 - Atualizado às 16h14 por Leonardo Posternak
Crise é uma fase de transição na qual abaladas as transições antigas, não foram ainda substituídas por novas. Momento decisivo que representa perigo e possibilidade. Uma força interna que impulsiona ao crescimento (segundo os gregos). Pois bem, o mundo todo está enfrentando uma gravíssima crise: milhares de doentes, alta mortalidade, o enfrentamento com o novo ou desconhecido (quanta dificuldade temos para lidar com o estranho!), isolamento social tão necessário e ao mesmo tempo tão estressante, discursos contraditórios e uma onda de pessimismo com respeito a economia. Estamos pisando em ovos sem rumo aparente.
Não obstante da enorme distorção do nosso cotidiano, tentamos funcionar… pessoas trabalhando em casa, outros, como eu, indo ao consultório para atender pacientes, outros, distribuindo marmitas. A comunicação se faz a distância e continuamos lavando as mãos com sabão, usando gel de álcool e enchendo carrinhos no supermercado para os próximos meses (??). Enquanto isso, um monte de brasileiros sem emprego, sem comida e sem sabonete. Os estranhos ou “estrangeiros” que tempo atrás eram barrados em portos ou fronteiras de maneira desumana, vindo com sua pobreza, seus medos, suas línguas (asiáticas, africanas, latino-americanas,) e que com certeza, provocavam a recusa do acolhimento. Hoje, todos somos estrangeiros e somos barrados em qualquer fronteira e em muitos países na soleira da porta de sua casa, ainda que brancos, com posses e estudados.
Apesar de tudo isso ou por tudo isso, a poluição melhorou, a cor do céu perdeu o cinza, o trânsito está civilizado e com menos mortes. Resta aproveitar a quarentena que, de alguma forma, nos leva a ter um contato com nossos filhos como nunca aconteceu na era pré-corona. As casas deixaram de ser cidades dormitórios onde chegávamos exaustos após aproximadamente 10 horas de trabalho, quando as crianças já dormiam. Aproveitemos para aprofundar as funções educativas com a crianças, o que lhes permitirá encontrar o caminho de uma cidadania possível.
Lembro que nas últimas décadas a educação deixou de ser uma urgência para virar uma renúncia. Vivemos na sociedade Liquida (conceito de Zygmund Bauman), onde tudo é transitório, efêmero, cambiante, sem nenhuma constância e solidez que já se teve. Nessa sociedade ocorreu uma insensível e insensata mudança que é a de valorizar o “TER” em detrimento do “SER”. As pessoas passam a ser o que vestem, o relógio que usam, o celular com 500 funções das quais só usam 30, e seus possantes carros. É fácil perceber que as marcas constroem o sujeito. Que pena!!
O primeiro tópico a discutir com os filhos, seria constatar que o universo é muito maior que a distância que vai dos olhos ao umbigo. Nesse vasto mundo, moram os “outros”, os diferentes, que temos que respeitar na nossa alteridade.
O segundo item seria fazer uma profunda reflexão sobre suas noções de como viver: com o outro ou contra o outro. É da ética humana que estou me referindo, assim como da noção do uso da nossa liberdade junto a liberdade dos outros. O problema é que quando um adulto ensina aquilo que não exerce e não acredita, se cai em uma fraude hipócrita. Cuidado! As crianças percebem isso e rejeitam o discurso vazio.
Trocar a falta de contato pela compra de brinquedos, como forma de diminuir a culpa da ausência, é uma chantagem. Estimular o filho a ser “esperto” e a levar vantagem em tudo e contra todos, custe o que custar, é algo incompreensível e danoso.
Assim, como num dia desses vamos poder nos abraçar, beijar e estar juntos com a família e amigos, temos também que mostrar capacidade e ousadia para sair da crise amadurecidos, lúcidos e andando… jamais frágeis, regredidos e engatinhando. Evitemos que a nossa família vire um aglomerado de desconhecidos íntimos, onde o prazer do convívio seja trocado pela angústia do contato.
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