Publicado em 10/03/2021, às 08h00 - Atualizado às 08h01 por Beto Bigatti
“Hoje, vocês vão para casa”, sentenciou a obstetra com sua serenidade habitual naquela manhã de sábado. Havia chovido muito desde o dia em que virei pai, e o sol parecia ter escolhido à dedo aquele instante para voltar a brilhar, aquecendo o quarto 702 da maternidade de onde estávamos sendo, ao que tudo indicava, expulsos por uma médica inescrupulosa que não entendia o pânico de ficarmos a sós com aquele bebezinho lindo, frágil e chorão.
Juro que minha pressão caiu abaixo do nível do mar depois daquela decisão arbitrária da médica. Onde já se viu, como viveríamos pelos próximos anos sem a campainha para chamar as enfermeiras da maternidade? Atire a primeira pedra quem nunca se apegou à campainha da maternidade.
Tínhamos lido vários livros, feito curso de gestantes, conversado com amigos, tirado todas as dúvidas com a pediatra e a obstetra, comprado o melhor bebê-conforto para levar nossa cria embora, meses antes já havíamos escolhido a roupinha amarela para sair da maternidade, Jesus, estávamos preparados para o desafio!
Então, por que comecei a suar frio enquanto providenciava a alta hospitalar? Que raios estava passando na minha cabeça enquanto guardava tudo na mala de maternidade, preparada com tanto carinho, e que agora se transformara numa mochila de adolescente com tudo jogado lá dentro numa massaroca de roupas?
Eu só pensava na campainha que trazia paz, que salvava a vida do meu bebê (sempre fui dramático, não repare). Pelo preço daquele quarto privativo, merecíamos no mínimo um ano de campainha em casa! Bateu o desespero? Toca a campainha e brota uma enfermeira no meio do caos da tua sala!
Naquela etapa da vida, ainda acreditávamos ter o controle sobre tudo e os manuais não nos contavam que isso é pura balela. Nos preparamos para qualquer situação. Até banho dei numa boneca no tal curso de gestantes, mas ela não respirava e, pior, eu não amava aquela boneca. Já esse gurizinho, meu Deus, que amor incontrolável. O conhecia há três dias e tinha tanto medo de machucá-lo que sinto ter desaprendido tudo para o qual me preparei.
Acho que é isso: a gente se prepara. De verdade. Para o lado prático da coisa toda, mas quando o coração cai em si e você percebe que não tem volta, começa a desconfiar que, por mais que se esforce, nunca será o bastante para dar conta de todo aquele amor que brota no peito.
A verdade só entendi algum tempo depois: o sol voltara a brilhar para nos receber do lado de fora da maternidade, na vida real, como um sinal de que daríamos conta. E demos. E você vai dar conta também. E vai errar. E voltar a acertar. Anos depois, acredite, a campainha será apenas uma boa história para contar.
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