Família

Leia para o seu filho antes mesmo de ele nascer

ler para o filho antes de nacer

Publicado em 07/12/2011, às 08h00 - Atualizado em 30/01/2020, às 19h31 por Redação Pais&Filhos


ler para o filho antes de nacer

Talvez nunca tenha passado pela sua cabeça ler um livro para um recém-nascido. E muito menos para o bebê que ainda nem saiu da sua barriga. Não importa se ele não entende o significado das palavras, os benefícios vão muito além disso.

Você está sentada ao lado de um berço, num quarto quase escuro, lendo em voz alta um conto de fadas que adorava quando pequena. Na sua frente, um bebê de olhos arregalados parece não entender nada e estar pensando: “quem é essa louca falando sem parar?” Bom, ele pode não estar entendendo nada mesmo. Ou pode até estar entediado com essa história sem pé nem cabeça.

Para melhorar a situação, você poderia estar segurando seu bebê no colo e mostrando para ele as imagens, sons e texturas de um livro feito mesmo para bebês. Mas de um jeito ou de outro, o que importa é que você está introduzindo seu filho no mundo dos livros e dando o primeiro passo para ele se tornar um leitor.

Sim, porque o bebê pode até não entender nada da história, mas está ouvindo palavras – o que por si só já é um grande passo para o desenvolvimento da linguagem daqui alguns meses. Além disso, você o está familiarizando com esse objeto – o livro – e mostrando quantas coisas tem dentro desse novo “brinquedo”. Outro ponto importante é se aproximar do seu bebê. Com ele no colo, ouvindo as histórias, ele sente seu cheirinho, abraça, cria um vínculo forte de carinho e calma, que nem sempre está presente nas brincadeiras.

Não tem idade para começar a ler para um bebê. Você pode começar desde a gravidez. A partir dos 6 meses de gestação, o bebê já pode ouvir o que a mãe diz. Um estudo publicado na revista Science em 1986 mostrou que os recém-nascidos preferiam as histórias que eram contadas pelas mães, antes deles nascerem, do que histórias que nunca tinham ouvido. Mesmo de dentro da barriga, pesquisas conseguiram avaliar o interesse dos bebês pela fala da mãe por meio dos batimentos cardíacos. A mesma frase ou a mesma rima repetida várias vezes fazia a taxa de batimentos deles desacelerarem, o que indica atenção – eles paravam de se mexer para ouvir.

Fala de mãe

Depois que se tornou mãe, você adotou um padrão de fala com o bebê bem mais alto que o comum e com sílabas mais longas. Parece ridículo, mas isso é instintivo e faz bem para o seu bebê. A “Fala Materna” o ajuda a escutar melhor, graças ao volume mais alto e palavras ditas mais lentamente, com destaque para as vogais.

A modulação de voz faz com que a criança preste mais atenção numa história contada. Imitar os personagens, fazer os sons dos animais, interpretar a narração faz tudo ficar mais interessante, claro. Mas depende também do seu objetivo. Se você está lendo uma historinha na hora de dormir, uma voz baixa e calma é a melhor opção. “A leitura pode ser antes da hora de dormir, para relaxar, ou na hora da brincadeira, com uma história mais agitada”, explica Sonia Jardim, mãe de Joanna e Antonia, e presidente do Instituto Pró-Livro. “A voz suave, os sorrisos, a cumplicidade entre leitor e ouvinte são importantes”, completa.

Quando o bebê não mostra interesse, além das vozes e sons, é importante usar as imagens. Existem muitos livros bons para bebês, com ilustrações grandes e coloridas, texturas, pop-ups. Não tenha medo que seu filho rasge as páginas ou morda o livro – este tem que ser encarado também como um brinquedo.  Existem também as opções em plástico, para o banho, ou em tecido, que podem ser virados e revirados sem estragar. Ele deve fazer parte do mundo da criança de forma natural. “O livro nessa idade é um dos objetos a ser lido”, acredita Ivani Nacked, mãe de Rafaela, diretora geral do Instituto Brasil Leitor.

Outra forma de atrair as crianças para as histórias é cantando, usando rimas e trava-línguas. Elas trabalham o ritmo e cultivam a cultura oral, daquelas canções que aprendemos com nossos pais e avós. “As cantigas tradicionais são histórias, como a do cravo que brigou com a rosa. A cantiga também é uma narrativa”, explica Tania Rosing, mãe de Cassiano e Ilana, e autora do livro Bebelendo (Ed. Global).

Talvez você esteja mais acostumado a inventar histórias. Deixar a imaginação solta para criar personagens e narrar ao filho, mudando o rumo conforme seu interesse. Isso também é ótimo, mas as linguagens da história inventada e do livro são bem diferentes. “Num livro, o Ziraldo escreveu ‘o vento ventava nela’. Se você for dizer, vai dizer que o vento bate na janela. Quando você conta, coloca a linguagem falada, cheia de desvios. Faz sentido que a criança se acostume a ouvir a frase já com uma outra finalidade, que é diferente do que ela fala todos os dias”, explica Tania.

Pais espelhos

Crianças imitam os pais. Em tudo. Na hora de começar a falar, usando as palavras que os pais usam, nos gestos, nas expressões. E ao ler também. Pais têm que dar o exemplo, é por isso também que existem programas de leitura para grávidas. Não só para o bebê escutar e se familiarizar com histórias, mas para a mãe adquirir o hábito e se tornar uma leitora. Frequentar bibliotecas e livrarias é importante para dar esse exemplo.

“O comportamento da mãe funciona como um modelo que, provavelmente, será observado, aprendido, apropriado e desempenhado, uma vez que a figura da mãe serve de estímulo, fato comprovado pela constatação de que algumas crianças paravam de fazer a atividade assim que seu cuidador deixava de realizá-la”, diz um trecho do livro Bebelendo.

Assim funciona também com as expressões faciais que os pais fazem enquanto contam as histórias – caretas, sustos, sorrisos – isso facilita o aprendizado dos bebês, na medida em que imitam e entendem as emoções contidas em cada trecho.

Outros sentidos, como o olfato e o tato, também podem ser utilizados na contação de uma história, seja por meio do contato e cheiro da mãe, seja pelas texturas do livro.

Embora o recém-nascido não enxergue muito bem, e só consiga distinguir o pai e a mãe, depois dos 3 meses já é possível apresentar outras imagens e formatos. Eles se interessam inicialmente por círculos, listras, padrões curvos e contornos nítidos. Já é hora de introduzir imagens dos livros às histórias contadas. “É importante que ela tenha a seu redor figuras humanas e animais, figuras geométricas, porque ela vai assimilando que o universo não é composto só pelo pai e pela mãe”, explica Tania.

Abrindo portas

Conforme as crianças ficam mais velhas, os livros funcionam como uma porta para o mundo: eles explicam, nas entrelinhas, o que é um homem, uma mulher, um rei, uma rainha, um castelo etc. Por meio das histórias, as crianças aprendem símbolos e valores. “Quando ela escuta uma história, faz uma viagem pelas palavras, pelo mundo, pelos ritmos e ainda descobre e compreende as mais diversas culturas”, acredita Ivani.

E conforme ouvir a história em diferentes momentos da vida, a criança vai interpretá-la de maneiras diferentes. Por isso, repita, repita e repita os mesmos contos. Assim, além de estimular a memória e o prazer pela leitura, você a faz pensar sobre o que ouviu.

É importante conversar com a criança sobre as histórias. Muitas vezes, elas ajudam a lidar com sentimentos ou situações que a criança está vivendo, por isso, é um recurso muito usado em terapias. “Ao lermos uma história para as crianças, provocamos o imaginário e as ajudamos a elaborar conflitos interiores”, explica Ivani.

Ao viver um problema, a criança não sabe falar sobre ele na linguagem cotidiana, a linguagem “do pensamento”, e só consegue entender o que está acontecendo de um jeito metafórico, subjetivo, como nas histórias e sonhos. Então, em vez do adulto perguntar “qual é o problema?”, é muito mais fácil atingir a criança pela linguagem “da imaginação”, contando uma história, não exatamente sobre o problema que ela está vivendo, mas sobre alguma coisa que represente esses sentimentos.

Por exemplo: uma menina mora longe do pai e sente muita falta dele, sempre esperando seus e-mails. A mãe, então, lê uma história sobre um sapo que está apaixonado pela lua porque um dia ela sorriu para ele. Agora ele fica o tempo todo olhando para a lua, na esperança de que ela sorria de novo. Conforme o sapo da história encontra a solução para o seu problema, a menina descobre que existem outras maneiras de reagir e procura a sua. Isso a atinge muito mais do que rotular seus sentimentos dizendo apenas que está triste ou com saudade.

Fantasia

Aos 2 anos, a criança entra na fase do faz de conta. É aí que ela aprende a imaginar coisas que não está de fato vendo. Os livros são perfeitos para estimular essa fantasia, principalmente os que possuem imagens sem texto ou texto sem imagens. Um livro só com figuras dá toda a liberdade para o leitor criar a narrativa: inventar quem são aqueles personagens, o que estão fazendo, onde estão, o que dizem. Já o livro só com texto, deixa a imaginação criar as feições, cores, vozes, cenários.

Diferente da televisão ou de um filme, o livro deixa portas abertas para que o leitor ou o ouvinte preencha os espaços com sua própria experiência.

Ler e brincar devem estar entrelaçados. “Estes primeiros contatos propiciam à criança a descoberta do livro como objeto especial, diferente dos outros brinquedos, mas também fonte de prazer”, acredita Ivani, completando que, no Instituto Brasil Leitor, é trabalhado esse conceito de integração entre ler e brincar. “É através do brincar que a criança tem a possibilidade de vivenciar e trazer para a realidade o mundo imaginário contido nos livros”, completa.

Um livro não é um brinquedo. É muito mais. Ele traz o mundo dentro dele.

Livros para os pais

O valor terapêutico de contar histórias, de Margot Sunderland
Fala sobre ajudar as crianças a lidar com os sentimentos por meio das histórias e oferece orientações de como aproveitar, do ponto de vista terapêutico, as histórias criadas pelos pequenos.
Ed. Cultrix (pensamento-cultrix.com.br), R$18

Cultivando um leitor desde o berço, de Diane McGuinness
Fala sobre a importância das histórias e conversas para a construção da linguagem da criança.
Ed. Record (record.com.br), R$39,90

Programa Bebelendo, de Rita de Cássia Tussi e Tania M. K. Rösing
Mostra a importância do processo de formação de leitores com a participação de adultos mediadores – pai, mãe, cuidadores.
Ed. Global (globaleditora.com.br), R$37

Livros para os bebês

O Sapo de boca grande, de Ela Jarzabeck
Com enormes pop-ups de bichos, como duas gazelas e um peixe de boca aberta, conta a história de um sapo que busca novos amigos conversando sobre comida.
Ed. Lafonte (larousse.com.br), R$44,80

Branca de Neve, de Fabrice Turrier
O conto de fadas em versão simplificada, com texturas, efeitos e pop-ups.
Ed. Companhia das Letrinhas (companhiadasletras.com.br), R$39,50

Cadê o meu monstro?, de Fiona Watt e Rachel Wells
Narra a busca pelo monstro certo. No caminho, a criança encontra monstros diferentes e com texturas.
Ed. Usborne (usborne.com), R$23,90

Onde está a lalá?, de Genny Haines
Enquanto a família toda procura a ovelha Lalá, o leitor passa pelos ambientes da fazenda, abrindo e fechando abas. Com som.
Ed. Lafonte, R$29,80

Consultoria: Ivani Nacked, mãe de Rafaela, é diretora geral do Instituto Brasil Leitor. Sônia Jardim, mãe de Joanna e Antonia, é presidente do Instituto Pró-Livro. Tania Rosing, mãe de Cassiano e Ilana, é coordenadora do Centro de Referência de Literatura e multimeios da Universidade de Passo Fundo e Coordenadora geral das Jornadas Literárias de Passo Fundo.


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