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Julia Barroso

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Publicado em 07/02/2012, às 08h00 - Atualizado em 22/10/2021, às 14h43 por Redação Pais&Filhos


A menina da coluna torta praticou balé e natação, beijou na boca, morou sozinha fora do Brasil, casou, teve filho. Apesar das limitações impostas pelo problema, Julia Barroso nunca deixou de se divertir. Os truques para isso ensina em livro lançado no final de 2011, no qual fala sobre enfrentar a escoliose em plena adolescência, tentando esconder o colete sob blusas compridas de gola alta. Por Samantha Melo, filha de Sandra e Tião

Como foi sua infância?

Eu nasci no Rio. Quando  tinha 3 anos, a gente foi morar na Grécia e na Espanha. Fomos porque meu pai era fotógrafo, e minha mãe era modelo. Ficamos lá até eu completar 6 anos. Aí voltamos para o Brasil e fomos morar em São Paulo. A escoliose foi detectada com 10, 11 anos. A gente foi ao pediatra ortopédico, porque eu tinha perna arcada e estava fazendo balé para corrigir. Ele detectou a escoliose. Fiz um raio-x e estava com 28 graus. Bastante, porque, acima de 25 graus, já é indicado colete Milwaukee. Meus pais começaram a consultar vários médicos e todos foram unânimes: eu teria de usar o colete. Mas eles ainda deram seis meses para que eu fizesse natação – para ver se estagnava. No final, foi para 32 graus antes de colocar o colete. Estava com 11 anos.

Quando soube, você se assustou?

Meu pai me chamou para viajar sozinha com ele para a Disney e lá me contou que eu teria que usar o colete. Achei isso legal, porque ele me tirou da minha rotina, da minha casa, me levou para um lugar completamente lúdico, em que eu estivesse feliz, para poder me dar essa notícia. Então, encarei numa boa. Mas, no primeiro dia em que tive de usar o tal colete, já em São Paulo, minha ficha caiu. Meus pais me apoiaram desde o começo. Aliás, minha família toda. Sempre me respeitaram muito, eu me apoiei demais nisso e nos meus amigos para passar por essa fase difícil. Acho que, quando você não tem o apoio da família para passar por isso, deve ser bem complicado.

Você tem irmãos?

Duas irmãs por parte de pai, mais novas, Carolina e Helena. Quando descobri a doença, meus pais já estavam separados. Quando a Carol nasceu, eu usava colete – e ficava com medo de machucá-la. Eu tinha 12 anos, então foi bem na fase do colete. Sou apaixonada por elas.

Que tipo de colete você usava?

Eu usava o colete de Milwaukee, que vem do pescoço, embaixo do queixo, até a bacia, pega todo o tronco e tem dois ferros atrás. Desde o início, tive de usar por 23 horas, só tirava pra tomar banho e fazer natação. É um tratamento muito difícil e muito medieval, na verdade. Você fica truncada, travada, passa 23 horas presa num negócio, imóvel, parecendo um robô.

Como foi o impacto disso na sua infância?

Foi muito difícil, eu tive de me adaptar muito. Antes, ia pro Rio de Janeiro, nas férias, ficava na rua, brincando de bola… Tive de parar de fazer isso. Até me acostumar com o colete, eu dei um tempo. Depois de um ano, fui me acostumando, até voltei a jogar bola.

E a questão da roupa?

Eu tinha muita vergonha, sempre usava blusa de gola alta. Cortava as mangas das blusas no verão. Aí, usava uma blusa embaixo do colete, para não machucar a pele, e uma de gola alta em cima. Eu não mostrava o colete de jeito nenhum. Mas não deixei de fazer nada por causa dele, eu costumo frisar muito isso. Segui minha vida, não fiquei trancada no quarto, chorando. Tinha plena consciência de que o tratamento teria de ser feito da melhor maneira possível para que tivesse um bom resultado. Eu continuei minha vida, só tive de me adaptar. Mas, de cara, já fui para a escola com o colete.

Qual foi a reação das suas amigas na época?

Minhas amigas me apoiaram muito, apoiam até hoje. As minhas melhores amigas de hoje são as da infância. No dia em que peguei o colete, fui para casa e chorava, e ligava para elas e perguntava como eu iria para a escola com aquilo. E elas me falavam que logo ia dar tudo certo. Foram muito amigas mesmo, não tinham vergonha de andar comigo.

Você acha que sofreu bullying?

Meu apelido era Robocop. Mas não era de maldade, era algo que falavam numa boa, principalmente os meninos. Mas não me sentia mal. Não falavam pelas costas. Não passou disso, nunca teve algo a mais, nunca me discriminaram por causa do colete.

Você fazia as atividades normais?

Sim. Até continuei fazendo educação física, porque o colete limita os movimentos, mas não te proíbe de fazer nada. Meus pais, provavelmente, conversaram com a escola, e o professor tinha plena consciência de que eu não podia fazer todas as coisas. Mas podia correr, jogar vôlei, basquete… Só não podia fazer malabarismos.

Como foi a fase de namoro por causa da escoliose?

Eu tinha dado meu primeiro beijo na boca com 11 anos. Havia um menino que falava que não tinha problema, que ficava comigo mesmo de colete; e eu dizia “não, de colete não”. Aí eu tirava durante uma hora para poder ficar com ele; depois, colocava de volta. Então era uma coisa meio com hora marcada. Quando tirei o colete, aí sim, comecei a namorar, comecei a me sentir mais à vontade para estar com alguém. Até hoje, eu tenho 30 graus. Não deixo de fazer as coisas, mas me sinto muito torta, apesar de as pessoas dizerem que eu não sou. O espelho me lembra todo dia que eu tenho escoliose, não tem jeito.

Você parou de usar o colete com que idade?

Com 15 anos. Não queria mais pensar em nada, foi a minha libertação. Com 16, fui morar em Londres, sozinha. Surtei. Eu me senti a pessoa mais livre do mundo, achava que podia fazer o que quisesse, fui viver minha vida. Voltei para o Brasil com 17 para 18 anos, e fui ver um outro médico, porque o que me tratou e recomendou o colete já havia falecido. Fui para um médico da mesma equipe, para seguir a mesma linha de tratamento. Ele fez um raio-x e eu estava com 60 graus.

Como seus pais reagiram a essa sua mudança repentina?

Meus pais enlouqueceram. Eu tive alta do colete e, com 16 anos, vendi tudo que tinha, comprei uma passagem para a Inglaterra e, quando estava com a passagem na mão, eu disse: estou indo embora.

Essa inclinação de 60 graus é visível?

É bem visível, mas, como eu nadei desde os 11 anos, até em Londres, isso me ajudou. O médico disse que, esteticamente, eu não parecia ter 60 graus de escoliose, mas o raio-x era grave, era uma escoliose agressiva.

Qual seria o tratamento dali por diante?

Eu teria de operar o mais rápido possível, quanto antes mais maleável estaria a coluna. Aí entra a questão dos riscos todos da cirurgia, que é muito complexa. Tem toda a medula que envolve as vértebras, e o médico tem de ir puxando para reduzir a escoliose. Aí começou a saga toda, porque o plano de saúde não cobria, era uma cirurgia muito cara. Os planos de saúde não costumavam cobrir. Não sei como está hoje em dia, mas pelo que percebo no blog, muita gente está desesperada para operar, os planos não cobrem, a fila do SUS é de quatro anos, existem poucos médicos especializados, poucos hospitais com estrutura. Ou é particular ou fica na fila e seja o que Deus quiser.

Você hesitou em operar?

Sempre fui muito tranquila, nunca fui uma adolescente revoltada, sempre fui consciente. Hoje em dia, sou mãe e sei. Ficaria mais desesperada com meu filho passando por essa situação do que eu mesma. Por isso, para mim, não foi tão difícil saber que ia ter de operar. Já para os meus pais, sim. O que foi ruim para mim foi usar o colete e o pós-operatório, sete dias no hospital.

Quantas horas de cirurgia?

Seis horas de cirurgia. E, na recuperação, usei uma cinta por três meses. Mas a dor da cirurgia é muito forte, porque você reestrutura todo o corpo. Eu ficava com uma bomba de morfina direto na veia e apertava o botão quando sentia dor. Todo mundo me pergunta no blog se a cirurgia e a dor valem a pena. Pra quem tem uma escoliose progressiva como era a minha, vale a pena. Eu tirei essa preocupação da minha cabeça. Operei, doeu, mas passou.

Na minha época, a cirurgia era assim: o próprio médico puxava com a mão vértebra por vértebra. E há todo um controle para saber até onde ele pode puxar sem comprometer a medula, que pode ter risco de perder o movimento das pernas. Por isso que eu ainda tenho 30 graus. É difícil tirar tudo. Por isso a natação é tão importante para a flexibilidade das vértebras. Ele vai puxando e, quando vê que chegou no limite, coloca os pinos de ferro e cola com o osso que ele tira da bacia, como se fosse uma nova coluna. Por isso os três meses de recuperação, para calcificar. No primeiro mês, não é bom nem abaixar para amarrar o sapato.

Como foi a gravidez do seu filho Pedro?

Tive dois abortos espontâneos. Aí, eu e meu médico descobrimos que eu tinha alergia às células do meu marido, por isso expulsava o embrião. O tratamento foi com vacinas com sangue do meu marido, para o meu corpo se acostumar. Quando eu estivesse pronta, poderia engravidar. Mas foi complicado, eu estava abalada, sempre achava que ia perder. Com 7 meses, ainda achava que poderia abortar. Quando ele nasceu, foi um alívio enorme.

Você ainda tem 30 graus. Isso dificultou a gravidez?

Não, foi tudo numa boa, controlamos um pouco o peso para eu não sentir tanto. Sempre fui bem magra, mas engordei 13 quilos. O único problema que surgiu é que eu não poderia tomar a anestesia peridural por causa da prótese na coluna – teria de ser anestesia geral. Mas o anestesista e o médico que me operou conversaram e descobriram, no finalzinho da gravidez, um espacinho entre as hastes para dar a peridural. Consegui assistir ao parto, que era algo que estava me angustiando… O parto foi cesárea.

Como foi escrever o livro?

Comecei a escrever no hospital, em um dia em que tive muita dor. Na minha época, não havia nenhum livro, não tinha internet, eu me sentia única no mundo, e isso era difícil. Então, comecei a escrever, mas demorei dez anos para terminar o livro. Eu deixava de lado, achava que ninguém ia ler minha história. Minha mãe tentava me fazer continuar, dizia que era uma coisa legal, que me fazia bem e poderia ajudar as pessoas. Este ano eu completei 30 anos e decidi que tinha de terminar o livro.

O blog surgiu antes ou depois?

Eu terminei o livro em março, apresentei para a editora em maio e comecei o blog no mesmo mês. Ele teve mais de 50 mil acessos em seis meses. Parece que as pessoas estavam precisando disso. O que estou querendo fazer com o blog é criar essa consciência sobre escoliose, tentar fazer com que o diagnóstico seja precoce, para tentar evitar a cirurgia. E também quero que as meninas não sofram tanto.

Como os pais poderiam reparar cedo que os filhos têm escoliose?

Tem um teste super simples. É só pedir pro filho ficar de costas e abaixar, sem dobrar o joelho. As costas deveriam ser niveladas.  Se um lado estiver maior que o outro, como se fosse uma corcunda, na costela, é indício de escoliose. É um teste que você faz em um minuto. Aí, é preciso levar ao médico para ele avaliar se existe mesmo a escoliose, e em que grau está.

As pessoas com escoliose sentem dor?

Não. É por isso que os pais devem reparar a estética do filho, vê-lo fazendo um esporte, andando… Viu que tem algo estranho, leva no médico, um ortopedista pediátrico, que vai pedir um raio-x. Se passar a fase de usar colete, que é durante o crescimento, a indicação é cirúrgica. A cirurgia acontece a partir de 40 ou 45 graus. Mas tem casos em que a pessoa se recusa a operar e, com uma fisioterapia muito bem feita, consegue dar uma segurada nisso.

Quem não tem escoliose progressiva consegue regredir o grau com colete e fisioterapia, ou só com cirurgia?

A escoliose que não é progressiva para com o crescimento. Por isso, colete e fisioterapia, nesse caso, funcionam muito bem. Se eu tivesse parado nos 32 graus, nem teria operado. A progressiva continua a aumantar mesmo quando você para de crescer, e é esse o motivo da cirurgia. Você só consegue descobrir se ela é progressiva ou não quando para de crescer. Como foi o meu caso. Parei de crescer com 15 anos e fui viajar. Quando voltei, o grau tinha dado um salto. O médico se assustou e disse que não era para estar assim. Então, concluiu que era progressiva e que iria crescer pra sempre. Por causa disso é que optou pela cirurgia: porque era preciso parar a escoliose.

Qual sua dica para a mãe de uma criança que acabou de ter a escoliose diagnosticada?

Muitas mães me perguntam isso no blog, perguntam como devem lidar. Algumas dizem que se trancam no banheiro para a criança não as verem chorando… O que eu falo é que, primeiro, mantenham a calma e a confiança. Passando isso para os filhos já ajuda demais. Ter fé, pensar que, no final, vai dar tudo certo. Ajuda muito se apegar a algo espiritual. E tentar encarar com naturalidade. Quanto mais os pais encararem com naturalidade, mais a criança vai encarar também. Se os pais fizerem daquilo uma questão muito grande, a criança também vai fazer. Tem de encontrar o meio-termo. Não adianta fingir que não existe, tem de encarar o problema, mas tem de encarar com naturalidade. Como meus pais fizeram. O legal é dizer que a vida tem problemas, a gente tem de enfrentar os problemas de cabeça erguida. Vamos enfrentar juntos, estamos do seu lado, estamos aqui pro que der e vier e vamos passar por isso juntos.

Família é tudo, concorda?

Plenamente. A família é seu porto seguro. Quando você não tem a família para te apoiar nos momentos difíceis e até nas alegrias – quando tem um filho, arruma o primeiro emprego –, você não tem nada.

A infância passa muito rápido; como aproveitar melhor?

Tem de proporcionar todos os momentos importantes de cada fase. Está na fase de desenhar, dá lápis de cor. Está na fase de começar a ler, dá livros. É dessa forma que se aproveita. E estar com a família também. Acredito que tem de ter a parte lúdica e a parte da educação. Tem de ter limite, mas tem de brincar. Brincar é fundamental para aproveitar.


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