Publicado em 30/03/2018, às 08h16 - Atualizado em 03/04/2018, às 12h13 por Redação Pais&Filhos
Claudia Werneck é uma daquelas pessoas inspiradoras. Jornalista, idealizadora da Escola de Gente e mãe do Diego e da apresentadora Tatá Werneck, é uma das principais porta-vozes do conceito de sociedade inclusiva proposto pela ONU na América Latina e a primeira escritora brasileira a ter livros recomendados simultaneamente pela Unesco e Unicef.
P&F: Quando você decidiu trabalhar com a inclusão de pessoas com deficiência?
Aconteceu quando eu ainda era chefe de reportagem da revista Pais&Filhos em 1991. Tudo começou quando o meu filho Diego, com sete anos na época, insistiu para eu visitar o irmão do amigo dele que tinha acabado de nascer. Quando eu cheguei lá, vi que o bebê tinha síndrome de Down. Naquela época, não tinha Google, não existiam livros, estudos e interesse sobre o assunto, por isso, a mãe do bebê me pediu ajuda por eu ser jornalista. Eu saí da casa dela sentindo essa responsabilidade em mim como profissional da comunicação e pautei uma reportagem sobre bebês com síndrome de Down na Pais&Filhos, o que foi só o começo do meu trabalho, que depois se expandiu para todas as deficiências.
P&F: Como foi o começo do trabalho?
Muitas questões tomaram conta de mim, e a primeira foi, como é viver com um intelecto considerado de menor valor, no caso da síndrome de Down, em uma sociedade que é pautada pelo valor intelecto? Dessa e de outras reflexões e muito estudo escrevi o primeiro livro sobre síndrome de Down para pessoas leigas do Brasil, o “Muito prazer, eu existo”. Comecei a dar palestras em todo o mundo sobre inclusão e deficiência e me aprimorando na denuncia do quando praticamos a discriminação em relação à deficiência cotidianamente.
P&F: O que você detectou de desafios e dificuldades que essas pessoas vivem?
A questão do tempo. Hoje em dia, tudo que é mais rápido parece mais evoluído. O palestrante tem que falar rápido, o texto tem que ser pequeno e o vídeo curto. Somos impacientes e temos muita dificuldade de praticar um tempo de comunicação inclusivo, que dê conta de levar a comunicação a pessoas que não enxergam, não escutam, não sabem ler nem escrever. Praticar um tempo de comunicação inclusivo é considerado opcional e caro para muitas pessoas, mas sem ele quem tem alguma deficiência não consegue acompanhar o que acontece no mundo e na sua comunidade. Ignorar isso é uma forma de discriminação, além de ser preconceito. A Escola de Gente, ONG que fundei em 2002, trabalha justamente utilizando a estratégia de teatro acessível, leitura acessível e muitas outras, para a mais ampla garantia de direitos de pessoas com deficiência, especialmente daquelas que vivem na pobreza.
P&F: O que é a Escola de Gente?
Uma ONG que trabalha para que as políticas púbicas se tornem inclusivas, ou seja, garantam direitos a pessoas com e sem deficiência desde a infância. Eu idealizei a Escola de Gente com o objetivo de formar jovens com uma mentalidade inclusiva, uma geração apta a não discriminar em função de desigualdades e diferenças de quaisquer naturezas. Entendo que a juventude é o ator mais estratégico para qualquer processo de transformação social. E, ainda, é o grupo que mais rapidamente vai garantir os direitos da infância. Somos Escola de Gente no sentido de “seguidores incondicionais de gente”, porque não admitimos hierarquizar condições humanas, porque todo ser humano tem o mesmo valor humano.
P&F: Quais são os principais projetos?
Temos vários, quase todos incluindo ações de formação em inclusão e direitos humanos na área da educação e da cultura. O nosso projeto mais conhecido é o grupo Os Inclusos e os Sisos, que a Tatá criou em 2003, e que deu origem à campanha Teatro Acessível – Arte, Prazer e Direitos, e ao Dia Nacional do Teatro Acessível. Pelo sua inovação ao praticar teatro acessível desde 2003, a Escola de Gente foi premiada como uma das ideias mais inovadoras do mundo pela ONU, em 2014. Desde 2003 o teatro acessível da Escola de Gente, sempre gratuito, oferece legenda, Libras, áudio-descrição, visita ao cenário para pessoas cegas, programas em braile e em formatos digitais, entre outros recursos de acessibilidade. O teatro acessível da Escola de Gente é apoiado pela MRS logística e a White Martins, por exemplo. Essas duas empresas possibilitam que o teatro acessível e gratuito da Escola de Gente se apresente em todo o Brasil.
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