Publicado em 09/08/2013, às 19h13 - Atualizado em 30/03/2016, às 08h43 por Redação Pais&Filhos
Sabemos que as responsabilidades que envolvem a família estão sendo cada vez mais divididas entre os pais. Vemos também, com naturalidade, ambos trabalhando e arcando com as despesas que envolvem a casa e os filhos. Mas a vida surpreende. Nem tudo sai como planejamos e, de repente, um dos dois tem de assumir sozinho o papel de provedor. Não há muito tempo, e para muita gente ainda nos dias de hoje, essa era uma incumbência do homem, sem dramas. Mas e quando a mãe trabalha fora e o pai fica em casa, às voltas com os filhos e os afazeres domésticos, o que sabemos, não é pouca coisa?
O importante é que isso não gere estresse e discussões, principalmente na frente das crianças. Conversamos com a doutora em psicologia pela USP Eliana Marcello de Felice, que tem 30 anos de experiência em consultório em questões familiares e acaba de lançar a coleção O Mundo Psicológico de seus Filhos. São quatro livros simples e diretos, com assuntos contemporâneos, a preços acessíveis. Em um dos capítulos do volume A Conquista da Independência, que abrange crianças de 6 a 12 anos, ela trata desse tema.
Como apresentar esse novo arranjo doméstico aos filhos?
Isso pode ocorrer nos casos em que, por exemplo, o trabalho da mãe oferece uma remuneração salarial mais vantajosa que a do marido e assim o casal opta que o pai assuma os cuidados da casa e dos filhos durante um certo tempo. Decisões como essas revelam uma postura aberta do casal, que não se prende a padrões tradicionais que definem o papel do homem como provedor do lar e da mulher como dona-de-casa ou cujo trabalho ocupa um lugar secundário na economia doméstica. Quando ambos, pai e mãe, sentem-se relativamente confortáveis com essa situação e fazem a opção de forma conjunta, ela tende a gerar menos conflitos e as crianças também passam a encará-la naturalmente.
Mas em caso de o homem ficar desempregado ou ser afastado por algum motivo e isso não ser encarado de forma tranquila?
Nesses casos, a tendência a gerar conflitos e angústias é maior, o que pode afetar em diferentes graus a relação do casal. O pai pode, por exemplo, sentir-se diminuído, com sua auto-estima rebaixada, a mãe pode ficar desapontada com o marido ou pode culpá-lo pela situação, ocasionando brigas e discussões mais abertas ou mesmo sentimentos mais velados de mágoas e ressentimentos que afetam a relação conjugal.
O tradicional “não na frente das crianças” continua valendo…
É sempre melhor quando os pais conseguem restringir ao vínculo do casal as reações mais intempestivas, as discussões mais sérias e explosivas, poupando os filhos de presenciá-las, o que poderia deixá-los mais assustados e angustiados, temendo pelo futuro da família e do relacionamento dos pais.
Mas crianças são sempre sensíveis…
Não podemos imaginar que as crianças não percebem o “clima emocional” entre os pais, mesmo que eles não exponham abertamente seus conflitos. As crianças são muito sensíveis aos fatos que envolvem a vida familiar e às relações entre seus pais, e absorvem o que ocorre à sua volta muito além do que se costuma imaginar.
Dá para conversar sobre esse tipo de crise com as crianças?
É sempre bom quando os pais podem conversar com elas sobre o que está ocorrendo, sobre a crise que está afetando a família naquele momento, para que elas tenham a possibilidade de expor o que sentem, de lidar melhor com seus medos, de dialogar com os pais sobre os fatos e assim os sentimentos mais angustiantes decorrentes da situação de crise podem ser minimizados. Ao mesmo tempo, se a situação se prolongar e os pais puderem, aos poucos, encará-la com menos conflitos e sentimentos de vergonha ou de culpa, a família como um todo será muito beneficiada, pois todos se adaptarão à nova situação e o trabalho que o pai passa a realizar em casa, como cuidar dos afazeres domésticos, levar as crianças à escola, supervisionar as lições de casa. Tudo isso deve ser valorizado pela família como uma importante contribuição no lar. As crianças se beneficiam também ao perceber uma postura mais flexível e uma capacidade madura dos pais para enfrentar as crises.
Falar sobre a realidade financeira da família pode ser benéfico para a criança? Qual o tom desse tipo de conversa?
Sim, conversar com as crianças sobre a realidade financeira da família é muito importante. Ao expor para elas a verdade sobre os fatos que cercam a vida da família, os pais lhes dão a oportunidade de lidar melhor com a situação, de compreender as preocupações intensificadas que elas percebem nos pais, de conversar abertamente sobre os fatos, pois assim elas vão aprendendo a enfrentar a realidade e podem se tranquilizar ao ver que os pais possuem relativo controle sobre a situação.
É bom elas se sentirem envolvidas? Não pode assustá-las?
As crianças podem perceber que elas são consideradas por eles, incluídas nos eventos relacionados à família e que têm um papel dentro da mesma, pois elas também devem colaborar, fazendo economias, controlando gastos e evitando desperdícios. Dessa forma, uma situação de crise pode se converter em um estímulo ao amadurecimento da criança. O tom dessas conversas deve ser de seriedade, mas sem assustar em demasia as crianças, para não gerar excesso de angústias que possa lhes fazer mal. Pelo contrário, o ideal é que a realidade seja vista como algo que pode ser manejado e que os pais estão fortalecidos para enfrentar a situação.
A partir de que idade o assunto dinheiro, economia, deve fazer parte das conversas com os filhos?
Penso que a idade deve ser aquela em que a criança tenha um mínimo de compreensão do significado do dinheiro e do que ele representa em termos de objeto de troca, isto é, algo que é necessário para adquirir coisas, o que ocorre aproximadamente aos 4 anos de idade.
Coleção O mundo psicológico de seu filho. Autora: Eliana Marcello De Felice. Editora Ideias&Letras, 2013. 4 volumes. Preços: entre R$ 25,00 e R$ 29,50. Lançamento: 13/09, a partir das 19hs, na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis (Av. Higienópolis, 618).
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