Criança

Ana Cardoso e Marcos Piangers falam sobre como as filhas lidam com a comida

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Publicado em 03/01/2018, às 07h55 por Redação Pais&Filhos


Ela diz:

Na roleta do acaso fui sorteada com um paladar curioso e um marido que prova e aprova qualquer iguaria, porém duas filhas cheias de historinhas para comer. Só falta eu ter que pagar para elas limparem o prato.

Comida é vida. Sou do time das pessoas que já acordam com fome, pensando o que, onde e com quem vou almoçar. Este ano, nossa filha mais velha está estudando de manhã, isso implica todos os dias ela almoçar comigo. Fato este que limita muito o cardápio.

Desde pequenas, tento ensiná-las a comer comida e não “porcarias”. Meu discurso é lindo, nada de doces, comidas industrializadas, vamos plantar nossos próprios tomates e um dia seremos todos veganos nessa casa. Na prática, eu marco pequenos gols. Elas preferem sempre a minha comida, de preferência se forem as ajudantes. Se a Anita botar um galhinho de alecrim na chapa que estou grelhando um bife, já atribuo os elogios a ela. Acredito que aquele tempero faz “a diferença” e incentivar os filhos é fundamental.

A menor acorda pedindo bala. Pedido indeferido, vossa excelenciazinha! Ela até come comida. Às vezes sob ameaça de ficar sem algo, às vezes com a promessa de uma sobremesa e às vezes porque está com fome mesmo. Consigo colocar goelinha abaixo arroz, feijão, tomate, alface, batata, cenoura e alguma proteína de origem animal, pelo menos duas vezes por dia. Ela trocaria isso por uma barra de chocolate, lógico.

Refrigerante e sucos artificias não entram na nossa casa. Outro dia, num aniversário de um primo, chovia e as crianças foram brincar na biblioteca. Estavam lá conversando e nem notaram minha presença. Um garçom perguntou à Aurora o que ela queria beber. Ela disse: refri! Eu levei um susto: Aurora! Como assim, refrigerante? E ela: É, Coca-cola, por favor! Parecia uma adolescente fumando na frente dos pais. Que desaforad(inda)!

Sim, elas são do tipo que esperam o parabéns para comer logo os brigadeiros. Não ligo de ser essa mãe que não faz bolo. Vocês não imaginam o quanto a Páscoa é especial para elas. É uma espécie de redenção do cardápio. Mas, não é bem assim…

Ele diz:

Estava empolgado com a caça aos ovos de chocolate neste ano, mas anunciaram lá em casa que não vai ter chocolate. Faremos uma caça aos ovos de quinoa. Ouvi dizer que é moda entre os pais mais modernos e nossas filhas poderão devorar esse belo regulador intestinal enquanto tomam um delicioso suco verde de couve. Será uma Páscoa divertida. Assistiremos aos desenhos da TVE, que, eu não sabia, são os únicos com linguagem aprovada e não infantilizam as crianças. Fiquei surpreso ao descobrir que infantilizar crianças é uma coisa ruim.

Não sei quem fez a lei, mas também está abolida qualquer história sobre o coelhinho da Páscoa. Não consigo mentir pras crianças. Ao me perguntarem “Quem trouxe os ovinhos, papai?”, direi solenemente que realizei a compra dos ingredientes pagos com cartão e com CPF na nota, e eu mesmo que trouxe em uma sacola reciclável. Não será bem uma “caça” ao tesouro, porque o uso do termo pode incentivar violência contra animais. Nem podemos chamar de “tesouro” algo que não é tão valioso quanto a vida, a família. Será uma “busca aos ovos de quinoa”. Uma brincadeira divertidíssima que as crianças vão adorar.

Minhas Páscoas eram um horror. Tenho nove primos e todos nos reuníamos na sala enquanto os tios espalhavam chocolate pela casa do vô. Era tanto chocolate, que ficava impossível não achar os ovos, tinha sempre um papel brilhante escapando por alguma porta do armário. Cada primo devorava um ovo gigante e, dentro dos ovos de chocolate, naquela época, vinha ainda mais chocolate. E eram coelhos enormes feitos de chocolate e bengalas de chocolate e barras de chocolate. E minha vó derretia algumas barras de chocolate para escrever nosso nome em cima de um bolo de chocolate com recheio de chocolate. Ficávamos sujos de chocolate na cara, nas mãos, na camiseta e o sofá da casa do vô ficava uma nojeira. Até a TV, que naquela época passava desenhos violentos, ficava toda marcada com impressões digitais marrons.

Aquilo foi há mais de 20 anos. O crime já prescreveu. Hoje sabemos que diabetes é coisa séria e que desenhos violentos deseducam. Meus avós não conheceram os benefícios do amaranto, da quinoa e da linhaça. Não sabem o que perderam.

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