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A pandemia e o medo que invadiu as famílias

Dentro das casas, o medo foi e é um sentimento comum em tempos de pandemia - iStock
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Publicado em 11/01/2022, às 09h11 - Atualizado em 13/01/2022, às 06h03 por Dado Schneider, Valesca Karsten, Marisa Eizirik e Bia Borja


“O medo é uma linha que separa o mundo/O medo é uma casa aonde ninguém vai/O medo é como um laço que se aperta em nós/O medo é uma força que não me deixa andar”. (Lenine, Medo)

A pandemia da COVID-19 tem despertado, individual e coletivamente, o medo. Obriga-nos a uma lição de humildade, pois nos defrontou com nossa vulnerabilidade. De repente, tivemos que nos afastar dos outros, dos mais velhos, dos amigos, do trabalho, dos encontros, das festas.

Dentro das casas, o medo foi e é um sentimento comum em tempos de pandemia
Dentro das casas, o medo foi e é um sentimento comum em tempos de pandemia (Foto: iStock)

E, agora, quando a vida parecia começar a voltar ao que se chamava de “normal”, surge esta variante Ômicron, não tão letal, mas com maior capacidade de contaminação. Então, além do vírus, estamos sendo contaminados, novamente, por uma onda de medo. E o excesso do medo e do cansaço pode virar pânico. Estamos exaustos.

Nossa confiança ficou abalada: no futuro, na segurança. Perdemos o sentimento de invencibilidade.

Regina, 41 anos, funcionária pública, casada com o Marcos, são pais do Pedro, 13 anos e da Julia, 9 anos. Moram no interior de São Paulo, referiu sobre esse assunto:

“A pandemia roubou a minha tranquilidade. Eu ainda tenho medo, agora essa nova variante, a Ômicron, parece que não é tão perigosa, mas, sim, muito contagiosa e eu fico preocupada e com medo. Mas eu sou uma pessoa que tem esperança, a gente precisa se agarrar na esperança para ter forças.

Eu fiquei mais aliviada quando meus filhos voltaram presencialmente para a escola. Os dois estudam em escolas particulares. Aquele negócio online não deu muito certo com os meus filhos. Eles estavam ficando ansiosos em casa, principalmente a Julia, ela estava sofrendo sem os colegas da escola e o convívio com outras crianças.

Trabalhamos presencialmente durante a pandemia. Somos da linha de frente. O Marcos trabalha em uma indústria que faz máquinas para o setor de alimentos, não dava para parar. Eu trabalho no Cadastro Único, em uma cidade próxima da minha. ‘Se eu não fosse trabalhar, como as pessoas iriam receber o benefício do Governo? Lá todo mundo me conhece, sabe? Eu tenho um vínculo muito forte com a sociedade’.

O que mais me chamou a tenção no período da pandemia foi a tristeza do grupo das idosas (elas precisam se cadastrar pessoalmente todos os anos para receber o beneficio). Elas sentiam falta do grupo de convivência, que serve como apoio para elas. Algumas não voltaram, vieram a falecer, outras perderam os companheiros, pessoas da família, muito triste de se ver”.

Experimentamos o medo, frente ao desconhecido, à incerteza. Medo de adoecer. Medo de morrer. Medo de perder alguém querido. Medo de nunca mais voltar à vida de antes.

Paulo, pai de Luca, 16 anos e de Rodrigo, 9 anos. Gaúcho, casado há mais de 20 anos com a Suzana, publicitário, falou sobre como se sentiu na pandemia:

“No início ficamos em pânico, confinados em casa. Lembro da primeira vez que fui ao supermercado no meio daquele bombardeio de notícias, em março. Quando me deparei com todas as pessoas usando máscaras na rua, fiquei apavorado. Morávamos, naquele momento, em um prédio antigo, com a maioria dos vizinhos idosos. Tínhamos medo de nos contaminar e de contaminar os vizinhos também.

Tínhamos medo do desconhecido. Saímos daquele apartamento e fomos para uma casa que tínhamos em um condomínio e que estava à venda. Lá teríamos mais privacidade e um pátio para as crianças. Vendemos nossa casa do condomínio e trocamos de apartamento, vivemos lá por 5 meses. Atualmente, com a chegada das vacinas, veio uma certa tranquilidade. Ainda seguimos nos cuidando, respeitando os protocolos, dando preferência em frequentar lugares mais abertos e vendo os amigos que se cuidam também.  

Para nós a pandemia foi boa, ficamos mais juntos e trabalhamos muito, de casa. Me constrange relatar isso, diante de tanta tragédia que ouvimos e vemos. Como sempre nos cuidamos e respeitamos muito o distanciamento, somos criticados por alguns conhecidos, como se fôssemos exagerados. Com a chegada dessa nova variante, a Ômicron, ainda me preocupo, mas com mais informações que agora temos, não entro mais em pânico”.

Máscaras, distanciamento social, álcool gel, se tornaram os acessórios do dia a dia para prevenir a contaminação. Deixamos de nos divertir, nossa vida mudou completamente, da correria cotidiana, fomos parados, isolados, buscando refúgio do contato.

Sentir medo é normal, quando um perigo se avizinha. O corpo dá sinais: respiração curta e ofegante, coração batendo mais forte, músculos contraídos, sensação de falta de ar. Predomina o instinto de sobrevivência. Não é um sinal de fraqueza. É necessário como sinal de alerta diante do perigo.

Virgínia, 83 anos, que mora em Porto Alegre e é professora aposentada e sócia de uma empresa do ramo educacional, declarou sobre essa questão:

“Eu não tive medo da morte, tive medo de baixar drasticamente meu poder aquisitivo, senti medo de precisar vender a minha casa para investir na empresa, nessa altura da minha vida, encarar uma mudança de casa, de lugar, de ter lutado tanto para ter as coisas e precisar me desfazer.

Em relação à pandemia, com as vacinas, me sinto mais tranquila. Apesar da minha idade avançada, nunca imaginei que eu vivenciaria uma pandemia, eu vivi os reflexos e as sequelas deixadas pela gripe espanhola, que meus pais vivenciaram e contaram”.

O que vivemos hoje, ao nível planetário, é o susto pela violência e rapidez com que a pandemia da COVID-19 se alastrou e afetou a vida de todos nós, levando ao sofrimento e à morte milhares de pessoas.

Com o cenário amenizado em função das vacinas, mas o risco ainda presente e ameaçador, com as novas variantes do vírus, seguimos apreensivos e amedrontados. Jussara, 49 anos, auxiliar de limpeza em um clube tradicional de Porto Alegre, casada há 30 anos, mãe de 3 filhos e avó de 5 netos, comentou a respeito deste tema:

“Estou muito cansada dessa pandemia, de usar máscaras, não aguento mais isso, a gente vive isso dia e noite, até sonho com isso, sabe? Nesse momento, mesmo vacinada, já tomei duas doses da vacina e conto os dias para poder tomar a terceira eu ainda tenho medo de morrer”.

Apesar de nossas diferenças de idade, gênero, etnias, nacionalidades, raças religiões, classes sociais, estamos todos no mesmo barco. Compartilhamos nossa fragilidade, e isso provoca medo. Renata, paulista, mora em São Paulo, 40 e poucos anos, mãe de uma menina chamada Victória, 9 anos, é também madrinha e tia avó. É profissional da área da saúde, especialista em crianças e adolescentes, fez mestrado e doutorado, também trabalha com pesquisa, refletiu sobre esse assunto:

“Não fiquei paralisada com medo da pandemia. Acho que até agora, devo ter sentido medo mesmo por três dias, o medo não me pegou. O medo, para mim, estava relacionado com os demais, eu tive medo de ser responsabilizada por contaminar outras pessoas, relata.

Atualmente não sinto medo, nem da morte, sou uma pessoa espiritualizada, considero a pandemia uma bênção. As pessoas me acham a ‘diferentona’, mas eu dei outro sentido para a pandemia. Eu estava vivendo uma vida com muitos problemas e a pandemia me salvou do pior.

Como sou da área da saúde, me baseei na ciência, procurei informações com médicos que estavam na linha de frente nos hospitais e era onde eu me abastecia de conhecimento e informações não midiáticas.

Eu tive Covid, fui assintomática. Minha filha também teve, sem sintomas, mas quando soube que estava com Covid, entrou em pânico, chorava sem parar. Ficou muito assustada, pois o avô paterno teve a doença e morreu.

Nesse momento intervi com, procurei meditar com ela, acender velas, pensar no agora, no dia de hoje, tirar o foco do medo, do pânico, do lado ruim das coisas. Tento mostrar para ela as escolhas, para que ela tenha a opção de ‘virar uma chavinha’ dentro dela, acender uma luz, assim como eu fiz”.

Aprendemos muito com a lição que a pandemia proporcionou. Por exemplo, aprendemos a solidariedade, a generosidade, a reflexão sobre nós mesmos, a tolerância para conosco e para com os outros. Percebemos o que, e quem é verdadeiramente importante para nossa vida. Isso não é pouca coisa.

Como sairemos dessa crise? Quando deixaremos de ter medo? A única resposta possível é que não podemos nos deixar paralisar pelo medo, pois “viver com medo é viver pela metade” (Filme: Vem dançar comigo). Abandonamos modos de vida, hábitos, atitudes e ficamos sem chão.

Sandra, 43 anos, mãe de uma menina de 2 anos e quatro meses e grávida de 9 meses. Trabalha com comunicação. Natural de Goiânia e reside em São Paulo com o marido e a filha, disse, ao pensar sobre seus sentimentos durante a pandemia:

“Sinto esse momento como sendo extremamente delicado para o Planeta, me dói esse período de tantas dores e perdas; penso muito no impacto dessa pandemia no futuro das crianças. O lado bom da pandemia é que eu fiquei mais próxima da minha  filha, mas na cabecinha dela se misturou a mãe mais perto e a pandemia. Esse período mudou completamente a nossa rotina e eu não vejo como voltar ao que era, vejo uma nova construção social.

Ficamos praticamente quatro meses no ano passado sem sairmos da porta do nosso apartamento, respeitando rigorosamente o distanciamento social e os protocolos. Faz pouco tempo que voltamos a sair, mas ainda respeitando os protocolos, dando preferência para ambientes externos e evitando locais nos horários mais movimentados, procuramos o contra-fluxo.

Às vezes me sinto culpada pela minha filha ter ficado tão preservada de novas vivências e experiências, mas mãe é sempre culpada, né? Eu sinto que não tenho repertório para a demanda dela, procurei incluir uma atividade física que ela pudesse ir, onde a professora está vacinada, além disso, vem na nossa casa, uma outra professora, que também está vacinada, ela vem propor algumas atividades mais dirigidas para ela, apresenta outras possibilidades.

E assim vamos receber o bebê que está chegando e depois pensarmos na ida para escola para a nossa filha maior. Eu sinto medo quando penso nas crianças, pois ainda não estão vacinadas, penso nisso e me sinto angustiada. Me dá medo quando perco o controle, pois nós nos cuidamos e respeitamos os protocolos e existem muitas diferenças nos hábitos das pessoas, além dos que negam a gravidade da pandemia”.

Perguntamos: o que vai ser, como vai ser, o mundo e a vida, quando passar a Pandemia? Voltarão ao “normal”? Ninguém se arrisca a responder.

Viver a vida e desfrutar dos prazeres do dia a dia, das pessoas queridas, dos desafios que se apresentam, dos problemas constantes, das lutas permanentes, são os condimentos da realidade. Difíceis, muitas vezes, mas que fazem parte da realidade da existência, e ajudam a combater o medo.

Não podemos esquecer, porém, da palavra esperança, pois ela é capaz de transpor a página e estimular a imaginação, para isso temos as crianças, que sabem fazer isso muito bem, nos ajudam a atravessar melhor esses tempos difíceis da pandemia. Seus efeitos em nossas vidas são imensos. E resquícios do medo permanecem. Em “Canção de Estudante”, Milton Nascimento nos presenteia com palavras estimulantes: “Nada a temer senão o correr da luta/Nada a fazer senão esquecer o medo/Abrir o peito a força, numa procura/Fugir às armadilhas da mata escura”.


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