Publicado em 14/08/2020, às 09h08 por Toda Família Preta Importa
**Texto por Amanda Magalhães, musicista e atriz, filha de Verônia e William
É sabido que a criança negra, além da falta de representatividade no sistema de ensino como um todo, será exposta ao preconceito através de falas e atitudes de outras crianças na escola, que farão piadas sobre sua aparência, comentários racistas, entre outras formas de agressão psicológica e, até mesmo, física. Para quebrar com este padrão, é importante que os pais exijam medidas da instituição que garantam a seus filhos o convívio em um espaço diverso, inclusivo, onde exista respeito e pessoas preocupadas em formar seres humanos.
Quando a sociedade discute educação, pouco se considera a questão racial como um dos pilares centrais do processo. Educar uma criança é também ensiná-la a se relacionar com o mundo e, ao fazê-lo, prepará-la para lidar com ele. De que maneira preparamos nossas crianças contra o racismo estrutural e estruturante que as espera, sejam elas negras ou brancas? Sim, pois entendemos que todos nós temos um papel dentro desta estrutura para que ela funcione. Então de que maneira mães e pais podem – e devem – atuar sobre esta desconstrução?
Enquanto a sofisticada tecnologia de opressão a que chamamos de racismo não for combatida e destruída a partir de atitudes concretas, seguiremos permitindo que gerações futuras aprendam a naturalizá-la. E é este o ponto deste texto, o poder transformador daquilo que aprendemos. Mais precisamente, o poder daquilo que aprendemos na escola, este que é o primeiro espaço de formação e socialização por onde uma criança transita.
Saiba que se os seus filhos passaram o período da primeira infância protegidos contra o racismo dentro do seio familiar – e note aqui que sublinho “se”, visto que muitos de nós infelizmente experienciam o racismo dentro de casa – será neste, no âmbito escolar, que o primeiro contato (de muitos) acontecerá.
A escola é geralmente o primeiro ambiente a expor a criança negra ao racismo. Expõe a criança branca também na medida em que é apenas uma questão de tempo para ela absorvê-lo. Por mais distante que seja a realidade entre as escolas públicas e particulares, podemos identificar recortes raciais semelhantes entre ambas. A presença de pessoas negras nos corpos docentes não costuma ser expressiva e chega a ser, em tantos casos, inexistente. Note-se que, nas escolas públicas o número de professores pretos é maior em contraponto com as particulares, onde as pessoas negras estarão mais comumente nas cantinas e na faxina, por exemplo.
A implementação da História e da Cultura afro-brasileiras como parte fundamental da matriz curricular a ser aprofundada é algo que, quando sugerido pelos poucos verdadeiramente interessados em discutir diversidade dentro do espaço escolar, não é levado a sério. Mas se vivemos em um país onde mais da metade da população é negra, por que nosso sistema de ensino não reflete essa realidade? Vale dizer que no Brasil, é lei desde 2003 que nos ensinos fundamental e médio, oficiais e particulares, torne-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, incluindo “o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.”
Tal lei estipula que os conteúdos devem ser “ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.” Mas quantos de nós fomos impactados por esta mudança? Quantos de nossos filhos vão se deparar com estes materiais? Me chamo Amanda Magalhães, tenho 28 anos e me formei no segundo grau em 2010, sete anos após a aprovação da lei N 10.639 citada acima, e posso afirmar que, assim como eu, tampouco meus amigos, primos e sobrinhos negros ainda em formação estão ou estiveram em contato com estes conteúdos, tais quais estabelece a legislação.
Me dói pensar que, como mulher negra, o acesso a estes conhecimentos por parte das instituições onde estudei, me foi negado. Me dói constatar que, ao longo de toda a minha vida estudantil, tive apenas dois professores negros. Me dói pensar nos meus primeiros anos estudando em escola particular, aos 12, recém saída da rede pública, e lembrar de ser a única aluna negra da sala, algo que se tornaria comum para mim nos próximos anos (quando não estivesse, é claro, acompanhada de mais dois ou três alunos negros). É em nome dessas lembranças e experiências dolorosas que prefiro pintar um cenário diferente para os filhos que um dia terei.
Pais de crianças e jovens brancos, enquanto famílias de crianças pretas estiverem ensinando seus filhos a sobreviver ao racismo, façam uso de seus privilégios para exigir ações afirmativas que busquem reverter verdadeiramente este quadro e combatam o racismo institucional. Ensinem seus filhos a respeitar as diferenças e a não se calarem perante nenhuma injustiça. Certifiquem-se de que, desde pequenos, seus filhos convivam com outras crianças em um espaço que valorize a diversidade e questione sempre a falta de cuidadores, professores e alunos negros nas escolas que frequentam. É um ato de cidadania e um ato de amor também para com os seus, que terão a chance de crescer em uma sociedade mais justa e com mais oportunidade para todos. A educação é a base de tudo e vocês, sem dúvida, fazem parte desta construção.
Por fim, saibam que não será fácil e que este é um processo de mudança que envolve muito diálogo e escuta. A todo momento vão colocar em questão sua nova postura, mais combativa, em relação ao racismo. E quando isso acontecer, lembre-se do que escreveu a professora e filósofa estadunidense Angela Davis: “Numa sociedade racista não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”.
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