Publicado em 23/07/2018, às 07h10 - Atualizado em 06/09/2022, às 13h28 por Redação Pais&Filhos
A alemã Sarah Schmid escolheu como cenário do parto, do sexto filho, um lugar característico para a família: o quintal. Sarah vive na França e já tinha dado à luz aos outros filhos em lugares bem diferentes de hospitais, uma vez na sala da casa dela e outra na floresta. Durante o vídeo é possível notar que sem ajuda nenhuma ela se prepara para trazer ao mundo o mais novo bebê da família. A gravação foi compartilhada no Youtube e já alcançou quase 1 milhão de visualizações.
Sarah tem formação médica e, mas não exerce a profissão, pois escolheu ser mãe de seis crianças em tempo integral. E desde o início da sua família ela é adepta ao “free birth” ou “parto livre”. “Quando eu trabalhava em hospitais, eu via pessoas dando à luz e pensava: ‘Eu posso fazer isso’. Me fez perceber que eu gostaria de parir sem intervenções“, explicou a mãe em entrevista ao tabloide britânico The Sun.
Na primeira gestação, Sarah decidiu ter o bebê em casa e contou com a ajuda de uma parteira. Johanna, de 11 anos, chegou na família dentro da sala em setembro de 2006. Já na segunda vez, a alemã resolveu dispensar ajuda profissional e fez tudo sozinha em uma floresta! “Pesquisei e tentei aprender tudo o que achava que deveria saber”, compartilhou. O segundo bebê, Jonathan, veio ao mundo em uma floresta da Suécia, onde a família morava na época, em julho de 2008. Imagina!
Todos os filhos de Sarah nasceram fora do hospital, então não seria diferente com a sexta criança. A diferença é que a mãe registrou todo o processo em vídeo e resolveu compartilhar nas redes. Abaixo você assiste a gravação completa, mas vale o aviso: o vídeo possui cenas de nudez e sangue, demonstra o parto como realmente é.
Entenda o parto humanizado
Toda gestante que começa a ler sobre cuidados pré-natais e parto logo se vê diante da expressão: parto humanizado. De cara, é bom entender que não se trata exatamente de um tipo de parto – é antes uma forma de se entender o momento do nascimento com foco nos dois personagens principais: a mãe e o bebê. Um cuidado em dar as boas-vindas a dois seres que estão vivendo um momento muito especial para ambos.
O tema anda bastante em pauta no Brasil. O próprio Ministério da Saúde está diretamente envolvido em iniciativas como a implantação de Centros de Parto Normal, buscando uma atenção mais humanizada ao parto e ao nascimento. Em uma portaria de 2013, que regulamenta a criação desses Centros, está incluída uma definição de parto humanizado que toca em aspectos como a participação da mulher nas decisões referentes às condutas do parto e à adoção de práticas baseadas em evidências científicas. Inclui a liberdade de movimentação e posições durante o trabalho de parto e o parto, e direito a acompanhante.
A busca é por incentivar um melhor atendimento ao nascimento no Brasil – seguindo o que preconizam, aliás, as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). O órgão internacional vem questionando, com base nas mais recentes e bem cotadas pesquisas, diversas práticas que ainda são rotina no Brasil, como a episiotomia (corte cirúrgico do períneo), a tricotomia (raspagem dos pelos pubianos) e o uso rotineiro da posição de decúbito dorsal (deitada de costas). E, outro ponto, o alto número de cesáreas.
Uma pesquisa de 2010 da Fundação Perseu Abramo apontou à conclusão de que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência ou abuso durante o parto. Algumas mulheres relatam exames de toque dolorosos e desastrados ou omissão da equipe em fornecer algum alívio à dor. Recentemente, foi até protocolado na Câmara de Deputados o projeto de lei 7633/2014, que garantirá à gestante o direito ao parto humanizado e a proteção contra a chamada violência obstétrica.
A melhor recepção para o bebê
Sabe que palavra está na portaria do Ministério da Saúde que modifica o atendimento ao recém-nascido na rede do Sistema único de Saúde (SUS)? É ela, de novo: HUMANIZADO. As novas diretrizes tomam como base recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) – e são aplicáveis mesmo aos bebês nascidos de cesáreas se não houver contraindicação.
Elas determinam que:
• o recém-nascido deve ser colocado imediatamente no abdômen ou no tórax da mãe de acordo com a vontade dela, pele em contato com pele.
• o cordão umbilical será cortado somente após ter parado de pulsar.
• a amamentação do bebê passará a ser feita ainda na primeira hora de vida da criança.
Mudança lenta
A ideia de humanização do parto foi logo incorporada pelos movimentos de contracultura – os hippies, por exemplo –, mas, com o passar do tempo, foi se difundindo. “No mundo como um todo, o movimento pela humanização do parto apareceu já no fim da decáda de 70”, situa a médica Simone Grilo Diniz, livre-docente no Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
A tendência se reforçou com pesquisas em outras áreas, como a Antropologia do Parto, que busca entender o aspecto cultural da forma como cada sociedade trata o nascimento. A antropóloga americana Robbie Davis-Floyd ressalta que nossa sociedade nutre um medo e repulsa extremos pelos processos naturais do corpo, como é o parto. Assim, além de se ligar à busca de saúde, a tecnologia nos pouparia do contato direto com esses processos.
Nos anos 20 do século passado, como afirma Diniz em seu trabalho “Humanização da Assistência ao Parto no Brasil: Os Muitos Sentidos de um Movimento”, a obstetrícia médica passa a entender a mulher como uma vítima de sua própria fisiologia. Nessa visão, as intervenções vieram então para socorrê-la.
Essas ideias todas foram motivando novas linhas de pesquisa sobre o parto e, aos poucos, provocando a revisão científica das evidências que levaram ao reconhecimento de que há práticas e usos da tecnologia que, hoje tidos como rotina, são danosos ou ineficazes. Foram se fortalecendo também os movimentos de grávidas em torno dessa demanda de mudança. “Da mesma forma que a cultura da amamentação teve que ser enraizada e discutida pelas mulheres dos anos 80 para cá, elas começam a demandar a mudança no atendimento ao parto”, conta Ana Cristina Duarte, que, partindo da insatisfação com os próprios partos, assumiu essa luta, organizando grupos de discussão e, depois, se tornando uma doula e, então, obstetriz.
Novas formas de atendimento
No Brasil, a própria estrutura de atendimento hospitalar oferece entraves a um atendimento humanizado do parto – por isso, também as políticas incipientes de incentivo à criação de Centros de Parto Natural, especializados ou inseridos dentro do hospital. O parto normal é, afinal, um processo que pode se estender por horas, e que desafia, assim, o andamento da estrutura normal dos hospitais, que não foi pensada para servir as necessidades particulares de cada mulher, mas para ter um determinado ritmo de produção.
A obstetra Carla Polido Andreucci, professora na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Carlos, defende, por exemplo, que a assistência ao pré-natal e ao parto de baixo risco não precisa necessariamente ser feita por um médico obstetra. “O perinatologista americano Marsden Wagner, diretor da OMS na década de 80, dizia que colocar um obstetra altamente treinado para atender um parto de risco habitual é como colocar um cirurgião pediatra para tomar conta de uma criança saudável no parquinho”, lembra. Para ela, o médico obstetra devia ser o herói, que entra em cena quando surge a complicação.
A implementação de equipes de assistência em que obstetrizes e enfermeiras obstétricas tenham papel mais relevante é realidade em muitos países. Na Suécia, por exemplo, são as obstetrizes que acompanham os pré-natais. Se surgir uma complicação, a mulher é encaminhada para o obstetra. Se não, a própria obstetriz conduz o parto, ajudando a mulher a encontrar posições e a dar à luz. Tudo com calma e, sobretudo, celebrando a chegada do bebê.
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