Publicado em 13/11/2015, às 12h32 - Atualizado às 12h38 por Tatiana Schunck
Deitados na rede, numa noite, em frente ao mar, meu filho me diz:
– Mãe, essa folha não era verde de dia?
Eu a observo (a folha do coqueiro) e percebo a qualidade da sua pergunta (do filho). Algo que tem a ver com uma rara percepção que as crianças têm sobre as cores, as nuances, as sombras e as luzes. De fato, as folhas do coqueiro durante o dia eram bem verdes, com a luz do sol da Bahia caprichando na paisagem formada pelos coqueiros, pelo mar, pela areia. E quando a noite chegava, em contato com o céu formigueirado de estrelas, a folha do coqueiro era escura, sem cor verde, sombria. Balançava-se com o vento do mar, com o vento sul que nos tocava a pele como uma experiência tátil renovadora.
Meu filho passou tempo a observar a folha. Eu vi. Fiquei ali quieta ao seu lado esperando a fala. Esperando palavras. Porque nesse momento de vida, aos três anos e meio, são muitas palavras de bombardeio de sentidos, pois que não surgem da falação já comprometida com a linguagem. E assim foi. Depois de um dia de sol com o moleque olhando para o céu do dia, com tantas cores novas ao seu jeito de ver, ele estranhou a falta da cor à noite. Eu tentei contar algo sobre o sol ir dormir e levar a luz consigo, e da noite chegar e deixar a luz no escuro, e por isso a folha já não estava tão tão verde assim… Tentei mais um tanto, com poucas palavras diante do olhar atento e curioso que revelava seu não bastar-se com a minha fala.
Daí que ontem, no escuro da noite em seu quarto, ele me chama e diz que existem sombras no quarto. Eu me deito ao seu lado e tento ver o que ele vê. Sabendo, claro, da pilantragem de uma criança que não quer dormir, e que resolve falar sobre a vida sem parar na hora de dormir… Mas então, eu pergunto: onde filho, onde estão as sombras? E ele aponta: ali perto da porta, aqui embaixo da minha cama, aí atrás da poltrona, ali perto da janela…
E para meu susto, não é que elas estavam em cada um destes cantos mesmo? Vi uma por uma com uma beleza de descoberta poética diante da simplicidade das coisas, da luz e da sombra que se formam nesta relação. Da sombra que se vê quando se tem algum tempo para fitar “as coisas” que estão habitando nosso quarto de noite. Esse habitar que ultrapassa a realidade e que sugere simbologias. Bom estar com a escuta aberta para deixar que o filho ensine a enxergar coisas que não vemos mais, como o mistério.
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