Publicado em 14/05/2016, às 07h11 - Atualizado às 08h24 por Tatiana Schunck
– Mãe, a Janis Joplin já não vive mais aqui, né?
É filho, ela morreu. Eu sei mãe. Ela morreu e viveu em outro tempo. Um tempo que já passou. Quando foi esse tempo, filho? Foi faz tempo, mãe.
– Mãe, escuta essa voz. Ela abre a boca e o som sai, né mãe?! Ela abre, o som sai.
É filho. Isso é cantar.
Depois ele passa um tempo com a boca bem aberta cantando como Joplin. Olhando para o lado de fora pelo vidro do carro e aproveitando seu corpo como instrumento de exploração. De vez em quando, olha pelo espelho para ver se eu o acompanho nessa descoberta sonora. Eu sorrio discreta, porque não quero atrapalhar a experiência dele. Me emociono com a boca aberta daquele jeito onde o som sai. Sem força. Meu filho canta com a Janis, cheio de vida, enquanto fala da morte.
Em seguida, pergunta onde o vovô Durvino está. Eu digo que ele morreu também. Ele diz então que ele está no céu. Que céu, penso eu? Nunca falei nada disso para ele… Ele diz que está lá em cima, o vovô. Eu concordo. Ele pergunta, com seus quatro anos de curiosidade, como ele era, o avô. Eu conto que era um homem muito alto, com nariz comprido, carinhoso que só e que era lindo, o vovô. E que ele queria muito ter tido um neto homem, que nem você Joaquim. Ele sorri, orgulhoso de ser homem. Eu também.
Daí ele me pergunta como falar com o avô. Eu digo, olha para o céu, não é lá que ele está? Sim, mãe. (Pena não ser possível colocar aqui o som dessa expressão: sim, mãe…) é experiência na palavra, garanto.
Então, fala com ele, olha para o céu e fala. Tá bom mãe. Ele silencia por um instante, concentra tempo e de repente abre a boca: vovô Duvinooooo. Olha para mim e duvida da existência do avô, já que este não o responde. Mais uma tentativa: vovô Duvinooooooooooooo.
“Mãe! Ele não fala!” “Filho, ele vai falar em forma de nuvem, não de voz. É só olhar para a nuvem.” Cerca de minutos de existência plena ocupam esse tempo de amor. Joaquim foca o olhar nas nuvens e conversa ali com seu avô, que nunca o conheceu ao vivo, pelo menos. De vez em quando sorri.
Eu não me intrometo mais. Sigo dirigindo e aprendendo a amar essa vida.
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