Publicado em 26/11/2021, às 13h33 por Toda Família Preta Importa
**Texto por Paula Ferraz, mulher preta, mãe solo, pedagoga, professora, contadora de histórias infantojuvenis com protagonismo negro, escritora
Neta de dona Chica, filha de Vanda e Martins, nascida e crescida na zona oeste do Rio de Janeiro, mais precisamente Padre Miguel, comunidade do 77. A vida não era fácil, mas era divertida. 7 horas da manhã já estava na escola, apesar de meus pais só possuírem a primeira fase do Ensino fundamental, eles me incentivavam a estudar. Vó Chica terminou o segundo grau, como era chamado o ensino médio, aos 50 anos e mãe voltou a estudar na década de 90, num projeto para concluir os estudos, um supletivo.
Eu queria ir mais longe. Terminei o Ensino Médio aos 17 anos e sonhei em fazer faculdade, queria cursar fisioterapia e poder cuidar de pessoas com necessidades especiais. Não deu… Não tinha dinheiro para as mensalidades, não tinha ninguém que orientasse, não tinha ninguém que acreditasse. Ninguém. Nem meus pais. Eles não sabiam o “caminho das Pedras”, eles não sabiam como me encaminhar ou incentivar.
Preto na faculdade? Não! Lá não é o lugar que a sociedade espera te ver. Preto é força de trabalho, é para arrumar, limpar, construir, carregar, descarregar… E é reproduzindo esta imagem colonizadora que crescemos. Voltei para a escola e fui estudar para ser professora, engravidei durante o curso e me formei com Guilherme nos braços. Foi o início da nossa trajetória. Uma longa história.
Quantos fatos, quantas histórias, quantos afetos nos preenchem, nos perpassam, nos escapam, nos engessam. Mãe! Mãe de menino! E só! Sozinha! Tivemos uma linda e fortalecedora rede de apoio: pai, mãe, vó Chica, entre outros amigos e familiares que participaram da árdua e preocupante tarefa de inserir um menino preto na sociedade. A luta é diária e não é falácia.
É levantar às 5 horas da manhã para ir dar aula, sair na hora do almoço e ir para segunda escola e depois ainda ir para universidade. É sair com a cria dormindo e chegar com a cria dormindo. E a rede de apoio firme e organizada para levar e buscar na creche, cuidar, alimentar, higienizar, brincar, educar. Aos trancos e barrancos vamos crescendo juntos, eu aprendendo a ser mãe, ele aprendendo a ser um homem preto na sociedade.
A tensão diária é clamar pela dignidade, é correr atrás do pão de cada dia, é não sair de casa sem identificação, é estudar para alcançar os sonhos, é exercitar a humanidade, é se tornar cada dia mais digno e melhor se espelhando nos seus mais velhos, é acolher a sabedoria ancestral.
Nossos caminhos seguem e através da arte conseguimos prosseguir. Uma das experiências mais lindas da vida foi poder escrever com Guilherme e juntos participarmos de uma obra literária inédita que conta 37 histórias de mães pretas solo.
“Chegue meu preto, mas chegue atento / Aperreio terás em todo momento / O mundo anda violento / Só de ser preto e pobre jamais estará isento”.
Guilherme escreve assim: “Por isso te agradeço minha coroa! / Por me transformar no homem que sou / Respeito prevalece por onde for / Você me fez digno com todo amor”. Que nossas vozes possam ecoar e inspirar mães, familiares, apoiadores, que assumem o desafio de gerar, parir e fazer voar nossas crianças.
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