Publicado em 11/12/2014, às 22h00 por Ivelise Giarolla
Minha segunda filha, a Lorena, nasceu com síndrome de Down. Então, uma série de “compromissos” foram iniciados bem precocemente, praticamente ao nascer, como fonoaudiologia, fisioterapia, médicos especializados, terapia ocupacional, exames periódicos, musicoterapia, ou seja, uma agenda para dar inveja a qualquer executivo. Paralelamente a esse fato, eu, mãe de uma primeira filha ainda bem pequena (a diferença de idade entre as duas é de dois anos) e médica voltando à ativa ao trabalho após minha licença maternidade, vi a minha agenda exaustiva.
Um ano se passou, as exigências no trabalho e das minhas filhas aumentaram e fui ficando cada dia mais cansada e desanimada. Praticamente acordava, ligava um “play” e seguia sem pensar se tudo aquilo estava certo ou errado.
Até que um dia comecei a cair. Sintomas começaram a aparecer: sono perturbado, choro fácil, irritabilidade extrema, tolerância zero. Além disso, o desenvolvimento motor da Lorena não andava às mil maravilhas, o que me deixava muito angustiada e muitas vezes me culpava de não poder fazer mais por ela (e será que precisaria?).
Procurei uma amiga psiquiatra, clamando ajuda, solicitando um remédio para minha dor. “Você tem uma depressão reativa”, ela diagnosticou, “mas no seu caso você melhoraria muito com terapia e não com medicação”. Certo, mas eu não tinha tempo livre na minha agenda para essas sessões e embora ela tivesse me explicado claramente, não dei seguimento nas terapias.
Certa vez, trocando emails chorosos com amigas mães de crianças com síndrome de Down, uma pessoa querida me escreveu as seguintes palavras: “Ivelise, se você tiver um tempo livre, em vez de colocar a Lorena em mais uma terapia mirabolante, use esse tempo para você”.
Era o que eu queria ouvir: uma mãe mais experiente me mandando parar, dando aquele tapa na cara que eu precisava, finalmente me libertando da culpa e assim podendo pensar um pouco em mim e não nas minhas filhas em todo o momento.
Sempre pratiquei esporte e era corredora de rua há anos. Assim, entrei em contato com minha antiga assessoria esportiva e na semana seguinte estava lá, tênis no pé, no Ibirapuera, voltando à ativa. “Quero correr a São Silvestre”, lancei o objetivo na minha primeira conversa com meu técnico.
Já se foram 10 meses desde o meu primeiro treino, após essa longa parada. Não vou mentir, faço o que posso. Muitas ausências por compromissos de trabalho, crianças doentes, agenda pesada, etc. Mas estou mantendo a promessa de não desistir. Tudo melhorou: humor, saúde, tolerância, autoestima. A corrida é um desafio contra você mesmo, contra seu psicológico, e cada quilômetro por mim conquistado é comemorado. Sem contar que minhas preocupações com a Lorena amenizaram, passei a ser menos exigente com minhas expectativas e a pequena menos torturada com meus anseios de um desenvolvimento pleno e perfeito (e quem é perfeito nessa vida?)
Enfim, a terapia tão recomendada por minha amiga psiquiatra foi atendida. Não aos moldes do divã, mas sim uma terapia gerada com esforço físico e muito suor na camisa. No asfalto ficam todas as angústias do dia. A cada passada, o alívio mental. E os tormentos da agenda extenuante? Ah! Foram transformados em lágrimas derramadas a cada linha de chegada de uma prova.
E que venha a São Silvestre! Estou preparada! E vamos correr minha gente!
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