Família

Chico Buarque, meu filho

Imagem Chico Buarque, meu filho

Publicado em 21/10/2013, às 18h37 - Atualizado em 10/05/2021, às 10h32 por Redação Pais&Filhos


A editora Casa da Palavra lançará nesta semana o livro História do Brasil para Ocupados em que traz as memórias do historiador Sérgio Buarque de Holanda sobre o filho Chico Buarque, contadas na primeira edição da revista Pais & Filhos. Entre as memórias do pai, estava um bilhete escrito pelo cantor aos 8 anos de idade para a avó antes de ir para a Itália. “Avó, vou para a Itália. Quando eu voltar, provavelmente a senhora estará morta. Mas não se preocupe. Eu vou me tornar um cantor de rádio. É só a senhora ligar o rádio do céu que vai me escutar”. Enquanto as biografias não são autorizadas, leia na íntegra o texto escrito pelo historiador.

“A imagem que o público fixou de meu filho não é correta. Para o público, Chico é tímido (antes de tudo, tímido), bonzi­nho, retraído. Nada disso. Pelo menos em família e com os amigos, é completamente diferente, um rapaz brincalhão, extrovertido, bem para fora. Quando ele aparece em público, torna-se diferente. Talvez seja o medo de parecer ridículo. Mas podem crer, ele não é tímido nem bonzinho. É, sem dúvida, uma boa pessoa. Mas não bonzinho, no sentido em que esta palavra é interpretada.

Quando criança, jamais foi um rebelde. Posso assegurar que se tratava de uma criança normal. Procurava sempre ser independente. E essa inde­pendência ele afirmava, procurando fazer tudo o que faziam os irmãos mais velhos. Nem um ‘amor de criança’, nem um ‘enfant terrible’. Normal. Não era nem ligado ao pai nem à mãe. Dava-se bem com todos. Com as irmãs, tias e avós.

Quando viajámos para a Itália (nesse tempo tinha 8 anos), deixou para a avó um bilhete: ‘avó, vou para a Itália. quando eu voltar, provavelmente a senhora estará morta. Mas não se preocupe. Eu vou me tornar um cantor de rádio. É só a senhora ligar o rádio do céu que vai me escutar’

Desde menino, sempre se interessou por música e futebol. Jogo, não perdia uma irradiação. Seus ídolos eram Telê, do Fluminense, e Pagão, do Santos. Na Itália, torcia pelo Genoa. Da música popular, seus ídolos eram Ismael Silva, Caymmi e Ataulfo Alves. Mas tarde, João Gilberto, de quem procurava imitar o estilo. Não acredito que Noel exerça influência sobre Chico. A maior semelhança entre os dois é a temá­tica: urbana. Caymmi, Ataulfo e Ismael marcaram mais que Noel. Chico também não é um compositor de classe média, como afirmam por aí.

Não há dúvida, Noel e Chico também se asse­melham um pouco, porque ambos enfocam temas urbanos. Nada mais. Aliás, há no Brasil uma mania de Noel! Qualquer compositor que surge é imedia­tamente comparado com o grande criador carioca. Creio que há um pouco de exagero em tudo isso. Quando surgiu a bossa-nova, Chico se encontrou com ela. Apreciava muito João Gilberto e ouvia-o seguidas vezes. Vinícius, muito amigo da família, aparecia sempre em festas e Chico ficava a ouvi-lo, com gran­de admiração.

Desde cedo, Chico já tinha namorada. Sempre foi muito vivo e alegre. Jogava futebol nas ruas, como todos os garotos de sua idade. Quanto aos estudos, dedicava-se a eles principalmente às vésperas de exame. Estudava duas ou três horas seguidas, depois cansava e ia se divertir. Em 1962, quando terminou o curso científico, foi orador da turma, provocando muitas risadas com seu discurso cheio de humor.

O sucesso não o mudou essencialmente, chateia-o um pouco, apenas. Hoje, não pode sair às ruas sem que lhe venham pedir autógrafos. Para ir à praia, há dificuldades, só em São Conrado. Bem longe.

Continua fiel aos amigos, embora não tenha muito tempo para se dedicar a eles. Assim que chega a São Paulo, telefona para todos, organiza noi­tada com eles. Chico sempre viveu em bando, com muitos amigos, uma verdadeira turma.

Sua formação é, sem dúvida, paulista. Nasceu no Rio, mas quando completou 2 anos, mudamos para São Paulo. Aqui, passou toda sua infância. Preferiu fazer o científico porque achava que o curso clássi­co era coisa de mulher. Dado momento, escolheu um ramo bem aproximado do artístico: arquitetura. Ficava em casa criando cidades imaginárias. Todas tinham uma fonte no meio da praça: lembrança das fontes de Roma, onde moramos algum tempo.

Chico, em vez de começar a falar, cantou. Desde que tentou se expressar foi através da música. Mais tarde, ficava com as irmãs aí pela sala, inventando música. Dizia que já que não conhecia de cor música de outros compositores, era obrigado a inventar as próprias. O sucesso veio de repente, sem que ninguém esperasse. Recebi a notícia de que Chico tinha ganho o Festival de Música Popular Brasileira com A Banda, quando estava em Nova York. Um jornal norte-americano publicou a notícia. Claro que me senti muito orgulhoso. Cheguei à conclusão – o que uma revista publicou na época – de que, antes, ele era meu filho. E depois do festival eu passei a ser o pai dele. Não há posição melhor. Têm surgido boatos por aí de que eu componho as músicas para ele. Mas, meu Deus, quem sou eu para ter tanto talento? Se eu soubesse escrever músicas como ele, há muito tempo não seria eu mesmo, mas Chico Buarque de Holanda. São boatos sem fundamentos, como muitos que vão por aí. Como essas notícias que circulam, afirmando coisas que jamais afirmamos. Um jornal carioca publicou que, após ver a peça Roda Viva, eu tinha dito: ‘Eu sabia que havia tudo isso aí dentro do meu filho’.

A frase talvez pudesse ter sido dita por mim, mas que não disse, não disse. Das suas músicas todas, gosto mais de A Banda, Pedro Pedreiro, Roda Viva e Carolina. Nunca me esquecerei do dia em que ouvi A Banda pela primeira vez, em Nova York, na casa de um amigo. Foi uma grande emoção. Não obstante todo o sucesso, o qual não lhe provoca muito prazer, é bem capaz de Chico largar tudo isso e partir para uma outra coisa qualquer, bem diferente. Ele é bem capaz disso. Muito inquieto. Muito inteligente. Sempre gostou muito de ler. Guimarães Rosa é um de seus autores preferidos. Quando fez Pedro Pedreiro, inventou uma palavra: penseiro. Talvez inspirado em Guimarães Rosa, que também era dado a inventar palavras. Tolstoi e Dostoiévski também eram seus favoritos. Assim como Kafka. Em geral, ele ia lendo tudo o que caía em suas mãos. A música é responsável por ele ter abandonado o curso de arquitetura, decisão que tomou sozinho.

O sucesso abriu uma impossibilidade de estudar. Excesso de compromissos, solicitações. Creio que, na música, ele se realiza mais, se torna muito mais feliz. É preferível um compositor realizado que um arquiteto frustrado, como todo mundo sabe. Quando vai compor, geralmente fica isolado, no quarto, sozinho. A música e a letra sempre nascem juntas, uma ligada à outra, indissoluvelmente. Encontrou grande dificuldade em musicar Morte e Vida Severina, porque a letra não era sua. Desde que aprendeu a tocar violão, com sua irmã Heloisa, hoje casada com João Gilberto e morando em Nova York, nunca mais deixou de compor. Sua adolescência foi normal, sem nenhum conflito especial. Posso considerá-lo um rapaz feliz. Suas primeiras composições falavam de amor. Mais tarde, quando ingressou na faculdade, passou a fazer música de participação, sendo que a primeira foi Pedro Pedreiro. A família ficou um pouco tonta com o sucesso tão fulminante, tão rápido. Mas já nos acostumamos. Chico é que não se habituou a ele. Ficou muito contente de ter ido a Paris, porque ninguém o conhecia por lá. Talvez o sucesso tenha provocado uma espécie de defesa, tornando-o um pouco retraído. De fato, meu filho não é tímido. É bem diferente a imagem que temos dele. Trata-se de uma pessoa normal, alegre, sem problemas graves de personalidade. Eu sei o que eu estou falando. Sou seu pai há 23 anos.”


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