Criança

Que mundo chato

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Publicado em 26/11/2014, às 12h38 por Redação Pais&Filhos


A vida parece cor-de-rosa na casa da porquinha, mas no lar da vida real a história parece ser bem diferente. Taxada de mimada, arrogante e mal-educada, a personagem do desenho infantil ganhou status de vilã e está sendo banida da programação de muita criança. O que falar do Cebolinha, então, que mente, pirraça e xinga os amigos? E da Mônica, essa menina violenta que resolve seus conflitos batendo? Não, não pode! Seu filho não pode ter contato com histórias e enredos infantis politicamente incorretos, pois isso não é o certo e vai estimular algo de errado na personalidade dele, certo? Errado. Nada pode, tudo está errado, não fale assim, fale assado.

O mundo está chato mesmo e cheio de regras e regrinhas que mais fazem moldar do que deixar viver de forma natural. Agora as crianças aprendem a cantar “atirei o pau no gato” de outra forma, afinal isso incita a violência. Dormir com “boi da cara preta”, então…nem pensar!

“Brincadeiras e historinhas não determinarão o caráter ou personalidade de uma criança, mas sim o modelo familiar. Ela se espelha nos pais, grava vivências da primeira infância até aproximadamente 7 anos, que é o período mais importante da formação”, explica a Triana Portal, psicóloga clínica e psicoterapeuta. “Observe a formação do seu filho de maneira mais abrangente e não se fixe em detalhes, pois, enquanto se gasta tempo com isso, se perdem conceitos e etapas do desenvolvimento mais importantes.”

Isso quer dizer que esse modelo do que é certo ou errado não funciona, na maioria dos casos. Porque o que é regra numa casa pode não valer na outra. É papel dos pais preparar a criança para o mundo e instrumentalizá-la adequadamente para vencer os obstáculos da vida. Isso inclui conversa — desde cedo —, a doses de explicação e exposição a determinadas situações da vida, mesmo que por meio de histórias, filmes e cantigas de roda.

Na avaliação da psicóloga Andrea Dantas de Assis, mãe de Caio e Luca, o que precisa haver é um consenso, já que as pessoas são diferentes, as famílias são diferentes e têm costumes diferentes. “Seria algo mais relacionado com a educação básica, transmissão de valores, ética e moral (que andam tão em desuso atualmente). É importante que a criança aprenda que existem essas diferenças e que o que é regra para ela, pode não ser para o colega.”  

Isso quer dizer que tudo bem se a família do amiguinho da escola tiver o costume de pedir pizza às quartas-feiras. Sim, e por que não? Não é porque o costume na sua casa é de pedir comida aos sábados que essa é a regra universal da família perfeita. Ok, domingo é o tradicional dia do delivery, mas pode ser que, por algum motivo, os pais do amiguinho da escola prefiram o disque-pizza às quartas.

Isso, por exemplo, é diferente de não fazer lição de casa ou mentir, o que é errado e prejudicial ao aprendizado da criança. “O termo politicamente correto é um termo adulto muito utilizado com a intenção de diminuir as diferenças entre as pessoas, sejam políticas, raciais ou de gênero, e existe justamente por não haver toda essa ‘igualdade’ entre os seres humanos. Para as crianças, as coisas acontecem ou deveriam acontecer naturalmente, já que o mundo para elas vai sendo descoberto através da observação, da curiosidade e do referencial familiar”, explica Andrea.

E quando, por superproteção, os pais optam por maquiar as mazelas da vida, mostrar só o ideal ou omitir as desgraças, eles estão fazendo algo perigoso, pois deixam o filho exposto no futuro. “É claro que a realidade deve ser apresentada gradativamente conforme a maturidade e repertório da criança e com devido bom senso”, explica Triana. Além disso, os pais que podam e cercam os filhos o tempo todo, tentando modelar o comportamento dentro do politicamente correto, não permitem que a criança seja ela mesma, abafam sua criatividade, sufocam desejos e geram seres agressivos e ansiosos.

Até onde ir

Impor limites e definir o que é certo ou errado é bem diferente de dar uma educação politicamente correta ou incorreta. Uma ótima forma de entender isso é olhar à sua volta, observar como os seus amigos e parentes conduzem a educação dos seus filhos e moldar o seu próprio jeito de educar, dentro de um universo possível. “Escutar educadores e profissionais também é muito positivo e, se perceber que seu estilo está muito diferente, que você tende à perfeição — e beira a chatice em alguns momentos —, e que seu filho já começou a apresentar problemas de adaptação, é bom rever seus conceitos”, avalia Triana.

Andrea Mello, mãe de Benjamin, de 9 meses, leu um monte de livros e blogs antes de ter filho e estava se tornando praticamente uma “expert” no assunto. Precisou fazer cesárea porque o bebê estava em sofrimento fetal, enfrentou uma depressão porque não tinha conseguido parto normal e se sentiu culpada. A pressão e a vigília são sempre muito grandes. “Fui tão rigorosa com ele por causa dos livros que li que não curti meu filho nos primeiros meses. Ele não podia dormir no colo —só no berço para não viciar—, só mamava a cada três horas, assistir tevê também não podia e sair de casa só após todas as vacinas. Com o tempo, parei de seguir todas as regras e decidi criá-lo da forma que me fazia feliz.”

Hoje Benjamim, assiste a Peppa e a Galinha Pintadinha, enquanto Andrea se arruma de manhã. “É a hora que tenho paz.” À noite, quando o bebê está muito agitado, é no colinho gostoso da mãe que ele adormece. E ele brinca no chão com a cachorrinha da família, coloca a mão na boca dela e assim segue sendo um bebê feliz. “Quando sou eu que vou dar a comida dele, eu sempre escolho as frutas que sei que ele gosta para eu ter menos trabalho e a hora da papinha ser mais feliz.”

Triana explica que a questão da culpa materna é um dos artifícios para o rótulo do que é politicamente correto ou incorreto e isso pesa, inclusive, mais do que o bem-estar da criança. É claro que um detalhe ou outro (como uma papinha de potinho, um desenho ou uma sobremesa fora de hora) não vai causar dano à saúde da criança, mesmo porque a mãe culpada e superprotetora tende a ser permissiva e destemperada em alguns aspectos.

Na prática, esse modelo certinho e quadradinho cria vícios e faz a criança, por exemplo, só comer macarrão, não dormir na casa de ninguém ou só tomar suco de um determinado sabor ou marca.

“Se por um lado ela é rígida e cobra de si mesma a perfeição, por outro ela cede às manhas e birras. Criar um filho dependente de forma inconsciente é uma forma da estreitamento de vínculo, em que a mãe se faz insubstituível, imprescindível, com um medo de que o filho cresça e que venha o vazio da fantasia de abandono”, avalia a psicóloga. A chatice do mundo excessivamente certo, cria o adulto tolhido, e o efeito rebote e a vontade do proibido crescem, o que faz a pessoa tentar compensar quando pode e fazer tudo o lhe foi proibido.

“Considere o fato de que seu filho, quando adulto, tenha que lidar com coisas que desconhece. Certamente ele sofrerá demais, pois não desenvolveu o que chamamos de traquejo social por estar adaptado a uma realidade certa. Isso pode formar um adulto mimado, intolerante à frustração, com dificuldades de relacionamento”, explica Triana.

A mãe possível

Raquel Cassoli, mãe da Carolina, 3 anos, e do Bruno, 5 anos, teve duas gestações muito regradas. “Sonhava com o mundo puro, natural, sem conservantes, sem doces, apenas com desenhos fofos e politicamente corretos.” Mas matravessar a cidade em trabalho de parto, no trânsito louco de São Paulo, a fez marcar uma cesariana na 39ª semana de gravidez.

“A partir daí eu comecei a pensar que é preciso muito tempo para ser uma mãe certinha.” Mas certinha na visão de quem? Dela mesma ou da sociedade, dos amigos ou do que é postado nas redes sociais?

“A vida não é uma festa. Perdas, doenças, tristezas e desgraças fazem parte de nosso cotidiano. A vida é dura”, explica Triana. “Quando você trabalha fora a semana inteira, cuida de uma casa e das crianças, e a única ajuda é uma diarista uma vez semana, não sobra tempo para pensar em ser politicamente correta ou pensar na sustentabilidade do planeta”, diz Raquel.

“Meus filhos comeram papinha artificial mais de uma vez por semana, foram para o berçário com 5 meses, após o desmame. Adiei a retirada da fralda até os 3 anos e, quando fiz, nunca tive um xixi na cama. Hoje eles brincam de carrinho e de boneca juntos. Claro que não dá pra comer porcaria todo dia, nem ficar o dia todo na frente da tevê, mas eu libero, sim, e tranquilo.” O mais importante, na opinião da mãe, é que ela fez — e faz — tudo isso com a consciência tranquila, sem culpa. “Sou uma mãe presente e carinhosa e estou criando meus filhos para a realidade”, diz.

Para Triana, os pais devem ocasionalmente compartilhar com as crianças os problemas do dia a dia, como a falta de tempo, de dinheiro, os problemas do trabalho ou familiares. “Isso dá senso de responsabilidade, de valores, de que a vida tem suas dificuldades, de que não podemos ter tudo que desejamos, no momento em que desejamos.”

A realidade da casa de Raquel é o possível e o correto naquela família, independentemente do que acontece na porta ao lado. E isso é o que as crianças terão como referência. Andrea Assis explica que a criança aprende por meio das experiências que vive e isso inclui aqueles sentimentos que tentamos evitar, como a frustração, a dor, a raiva e a tristeza. “O benefício é saber lidar com esse mundo real repleto de coisas boas e ruins.”

Triana explica que as crianças são muito sensíveis e ligeiras, percebem o ambiente e, principalmente, quando algo não vai bem. E que os pais devem agir da melhor maneira que eles acharem possível, sem se preocupar com o que os outros vão falar, pensar ou como agiriam. &

Relaxa, mãe!

Permitir deslizes e fugir da rotina é algo positivo tanto para a mãe como para a criança. O dente não vai estragar se na noite de Natal ela dormir sem escovar. Sair do cinema e passar numa lanchonete para comentar o filme tomando um sundae de chocolate será um prazer duplo. Desde que tudo isso seja exceções, e não ações rotineiras na relação dos pais com os filhos.

1. Assistir desenho, pode.

Desde que a criança entenda (e caberá a você explicar) que o mundo não é cor-de-rosa, que fa-zer birra não é legal e que aquele comportamento existe porque é um desenho, uma história, algo do mundo da fantasia.

2. Cantar o Boi da Cara Preta, pode.

É uma música da nossa cultura po-pular, a menina tem mesmo medo de careta (e quem não tem?) e no fim das contas nada acontece com a menina bonitinha.

3. O Cravo brigar com a Rosa, pode.

Brigas acontecem e é importante reconhecer quem está certo, quem está errado e saber pedir desculpas. Veja que a Rosa, coitadinha, amava tanto o Cravo que pôs-se a chorar com a possibilidade de ele ficar doente.

4. Viver sem pai e mãe, pode.

A Anna e a Elsa, do filme Frozen, perdem os pais e sobrevivem, certo? E elas também brigam e sofrem com a ausência uma da outra, além da saudade dos pais. Isso é importante para a criança vivenciar situações, através da fantasia, e treinar sentimentos, trabalhar as relações familiares para quando, eventualmente, tiver que lidar com isso na realidade, já ter uma breve noção do que se trata.

5. Cantar Atirei o Pau no Gato, pode.

É uma música da nossa cultura e faz parte da infância da maioria dos pais. O que não pode é estimular a violência contra os animais ou contra qualquer outra coisa ou pessoa.

6. Fugir da rotina, pode.

O que não pode é a exceção virar regra. Uma pizza para comemorar um momento especial, chegar exausto de um aniversário e tomar banho de gato, pegar no sono antes de escovar os dentes, fugir pra cama dos pais… nenhuma criança será um adulto melhor ou pior porque saiu um pouco da rotina.

7. Perder no jogo, pode.

E deve. A criança deve aprender a lidar com frustrações. Se você se propõe a jogar um jogo da memória com seu filho, jogue para valer. Se ele perder, faz parte. Fingir a derrota para o filho sair feliz é mascarar a situação e não prepará-lo para momentos da vida que ele terá, de fato, que perder.

8. Fazer comparações, pode.

E deve. A criança tem que entender que o que funciona na casa do vizinho não funciona na dela. O que é permitido lá não é aqui, e por aí vai! Cada família funciona de uma forma, e isso tem que ser claro para a criança.

9. Mudar de opinião, pode.

E deve. Não tem nenhum tipo de problema os pais mudarem de ideia com relação à forma como educam os filhos. Uma conversa ou um fim de semana na casa dos amigos pode abrir os olhos para outras situações e maneiras diferentes de conduzir problemas. Observe, adapte à sua realidade e experimente sem medo. A solução pode estar muito mais perto do que você imagina.

10. Abrir o jogo, pode.

Não precisa entrar em detalhes sobre a morte do cachorrinho de estimação ou de um parente próximo. Com relação aos falecimentos, pode, inclusive, entrar no mundo da fantasia, sem ter que detalhar velórios e enterros. Uma dica: quanto menor a criança, mais simples deve ser a explicação, apenas o necessário para ela entender o que se passa e que vai dar tudo certo.




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