Criança

Ilan Brenman fala sobre livros, infância e aprendizagem

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Publicado em 13/11/2011, às 22h00 por Redação Pais&Filhos


Por Juliana Santos, filha de Elizabete e Marcelo, e Jéssika Morandi, filha de Érika e Alexandre

Que ler é importante para o desenvolvimento infantil todo mundo já sabia. Mas nada melhor do que conhecer as experiências de quem lida diretamente com o tema, escrevendo, lendo e, de uma forma ou de outra, levando histórias para a vida dos pequenos. Hoje, no Dia Nacional da Alfabetização, conversamos com o autor de livros infantis Ilan Brenman. Ele é pai da Liz e da Íris, de onde tira boa parte de suas inspirações para criar histórias tão legais como a do famoso livro “Até as Princesas Soltam Pum”.

Ilan também já foi um contador de histórias de primeira, com até 800 contos gravados na memória. “Como eu escrevo mais do que conto, vou perdendo algumas delas, mas tenho boas centenas na cabeça ainda”, diz o autor. Com esse mundo de palavras saltando da boca e uma vontade de levar a leitura para todos os que quisessem desfrutá-la, Ilan já fez trabalhos em creches, hospitais, ONGs, metrôs, trens, assentamentos sem-terra e outros lugares inusitados.

Estivemos na casa dele, que reflete bem esse espírito voraz por leituras: são livros por toda a parte, em estantes que vão até o teto. Boa parte dos volumes é infantil. “Por mais que eu arrume, minhas filhas sempre bagunçam tudo”, diz o escritor, sorrindo ao contar que todas as noites precisa retirar uma pequena pilha de livros do quarto das meninas.

Nesta entrevista exclusiva, Ilan Brenman defende a idéia de que as narrativas podem ser aplicadas em diferentes contextos, e em todos eles agirem de forma a trazer prazer, inspiração, aprendizagem. Como exemplo dessa versatilidade, o autor já levou histórias milenares para ambientes empresariais, a fim de que servissem como estímulo à criação. Ilan também fala da importância de contar histórias para todas as crianças e de incentivar o livro de papel.


Em primeiro lugar, qual a importância da leitura na infância, em sua opinião?


Esse mundo em que a gente vive hoje é um mundo que costumamos chamar de “mundo da informação”, mas ele cria uma ansiedade muito grande em relação às suas ferramentas. Tem um teórico búlgaro que se chama Todorov e que diz que muita informação mata a própria informação, ou seja, a sociedade anda tão macacal, ela pula de galho em galho nas informações, que o conhecimento acaba sendo sempre muito superficial.

O papel do livro para a criança vai no sentido oposto ao desse mundo macacal, dessa pulação geral das informação em que nada se retém. Um livro de papel dá uma parada nessa correria, ele para essa avalanche de informações. O livro requer silêncio e reflexão. Quem produz a imagem é a mente, a imagem não vem pronta na tela do computador, na tela da TV, do cinema. Nesse silêncio compartilhado com as palavras é que a criança se projeta, é nessas lacunas que ela vai poder respirar e pensar sobre a vida, pensar sobre ela mesma.


“Ouvir uma história que te impacta emocionalmente abre a sua mente e, abrindo a sua mente, você pode criar coisas novas!”


O livro digital corre o risco de substituir o de papel, como se debate constantemente hoje em dia?


Acho que existe um endeusamento muito grande da tecnologia. O livro eletrônico também é uma ode que se faz, um endeusamento: “isso vai matar o livro de papel” e tudo o mais. Se acontecer, e pode ser que aconteça, eu acho uma tragédia. Não sendo apocalíptico, um dia eu vou ter o meu tablet, vou usá-lo e ficar viciado como todo o mundo. Estou tentando postergar ao máximo isso.

Mas eu acredito muito que o livro de papel é uma experiência diferente, de novo, porque ele não fala, no sentido real. Ele tem som, ele tem voz, mas é simbólico. Então, a minha esperança é haja uma convivência e não que tenha um declínio. O que se fala é em declínio. Mas nunca se imprimiu tanto livro, nunca se publicou tanto livro de papel e isso é uma coisa boa. Vamos ver o que vai acontecer.


Qual a diferença ou a dificuldade entre escrever para adulto e escrever para criança?


Existe muito isso de o cara acordar de manhã e pensar “vou escrever um livro para criança e publicar”. Imagina! Cecília Meireles falava sobre como é difícil escrever para criança, Drummond falou sobre isso, e muitos autores, até Saramago, que tem um livro infantil, disse “nossa, como é difícil escrever para criança!”. Para não achar que ela é uma idiota e fazer uma coisa rasteira, não subestimar a inteligência dela e, ao mesmo tempo, fazer com que ela compreenda o que você está falando… Há uma complexidade nisso, escrever para criança não é fácil.

Eu conheço livros infantis muito melhores do que livros adultos. Existem livros adultos horrorosos, em que o autor escreveu 300 páginas de puro lixo e, às vezes, você pega um livro de 32 páginas que é poesia pura, que é de uma emoção! É eterno e está aí há 50 anos encantando pessoas no mundo inteiro. Eu acho que escrever para criança, fazer um produto final, cultural, de qualidade, dá muito trabalho.


“O livro requer silêncio e reflexão. Quem produz a imagem é a mente, a imagem não vem pronta na tela do computador, na tela da TV, do cinema. Nesse silêncio compartilhado com as palavras é que a criança se projeta, é nessas lacunas que ela vai poder respirar e pensar sobre a vida, pensar sobre ela mesma”


Hoje em dia nota-se que o comportamento das crianças está cada vez mais parecido com o dos adultos. Isso influencia o modo de escrever um livro infantil?


O meu modo não. Pelo contrário, eu não gosto disso. É uma coisa circular, aliás. Já houve um momento da história humana em que a criança se vestia como adulto, trabalhava como adulto, participava da vida coletiva do mundo adulto e o homem conseguiu criar a infância, que é uma coisa fabulosa. Ou seja, criança é diferente de adulto, ela tem que ir pra escola, tem que aprender, tem que vestir roupa diferente, tem que ter médico pra ela… E, de tempos para cá, estamos voltando para trás.


É muito triste uma criança com doenças psicossomáticas, ansiedades, por causa do futuro. Eu tenho uma amiga psiquiatra que fala que ela atende crianças que são preocupadas com a previdência social, com 8, 9 anos de idade. Quer dizer, isso é culpa nossa, os adultos estão enlouquecendo. E, obviamente, existe uma literatura que acompanha isso, e que quer elevar esse sentido. E não é a que eu mais gosto. Acho que a infância tem que ser preservada, ela é uma conquista do ser humano, uma das poucas conquistas. Quando faço literatura tenho isso muito claro na minha cabeça, não adultizar a criança, tentar entender a alma dela, sua complexidade, tudo isso.


De onde você tira inspiração para as suas histórias?


Eu tenho três caminhos de criação. Um caminho eu chamo de “reconto”. Recontos são histórias populares do mundo inteiro. Eu sou pesquisador, tenho milhares de livros espalhados pela casa, viajo bastante. Então escolho países, regiões, e pesquiso essa região, escrevo sobre ela. Tenho alguns livros nessa área.


O segundo caminho, que hoje em dia seriam os meus livros mais conhecidos, se chama “narrativas do cotidiano”. Eu tenho duas filhas e as observo, sou um observador muito atento do cotidiano. Já aconteceu algumas vezes, por exemplo, de estarmos almoçando em casa e, de repente, alguém fala alguma coisa de interessante, uma coisa fabulosa. Eu saio correndo da cozinha, vou para o meu escritório e elas gritam “papai, é livro?”. Eu falo “é livro filhas, obrigado!”. Então, quer dizer, é um disparador para a criação. E isso acontece em qualquer lugar, minha casa não é especial. Toda a casa acontece isso, é só você parar e prestar atenção. Obviamente, quando eu crio essas histórias do cotidiano eu faço um jogo entre o meu olhar para fora e ao mesmo tempo com a minha própria infância, as minhas questões internas.

Literatura é esse encontro entre o que você vê e coisas que você nem sabe que tem dentro de você.
E a terceira forma de criação é o que eu chamo de criação pura. Essa é uma categoria que inventei para mim, que são idéias que, aparentemente, vêm do nada. Mas não existe esse “do nada”, a gente sabe, é o inconsciente.

“Criança é diferente de adulto, ela tem que ir pra escola, tem que aprender, tem que vestir roupa diferente, tem que ter médico pra ela… E, de tempos para cá, estamos voltando para trás (…). Acho que a infância tem que ser preservada, ela é uma conquista do ser humano, uma das poucas conquistas. Quando faço literatura tenho isso muito claro na minha cabeça, não adultizar a criança, tentar entender a alma dela, sua complexidade”


Suas filhas chegam a ver o seu material antes de ser publicado?


Veem sempre, claro. Eu morro de medo.


Elas opinam sobre ele?


Opinam, por isso que eu morro de medo. Mas eu faço questão de mostrar pra elas. Pego o texto em Word mesmo, termino, sento com elas no escritório e leio. Se elas pedem “papai, conta de novo” eu fico relaxado, sossegado. Quando elas não falam nada eu fico branco, entro em pânico. E quando elas fazem uma crítica me dá também pânico, porque elas são críticas ferozes. Boas críticas, às vezes melhores do que críticos adultos, porque elas manjam.


Você trabalhou com consultoria em hospitais, ONGs… Como foi esse trabalho?


Foi um trabalho que me enriqueceu muito, me deu muito conhecimento nessa área da leitura e tudo o mais. Eu trabalhei por muitos anos formando pessoas de diversas áreas – desde médicos e enfermeiros, até professores – para trabalharem com leitura, leitura em voz alta, mediação de leitura, projetos de humanização hospitalar, entre outras coisas.


Trabalhava na Fundação Abrinq, então isso me enriqueceu muito pra tirar algumas constatações. Por exemplo, quando as pessoas falam que ler pra uma criança hospitalizada é muito diferente de ler pra uma criança que não está hospitalizada, ou que criança pobre precisa de histórias diferentes de criança rica. Por essa minha prática, eu tenho certeza absoluta com relação a isso: não! Criança é criança em qualquer canto, todas elas gostam de histórias, demandam narrativas, precisam ouvir boas histórias. Não existe história para criança em quimioterapia, não existe história para criança abandonada. Existem boas histórias, de qualidade, que vão fazer milhões de coisas bacanas na vida de todas as crianças, em qualquer canto desse Brasil, em qualquer canto do mundo.

Entre os vários países em que você esteve, o que notou de diferente com relação ao incentivo à leitura?


A Europa tem realmente um diferencial nessa área da leitura. Eles estão mais avançados. Você tem tiragens maiores, livros capa dura, livros mais baratos, têm várias versões, bibliotecas maravilhosas… Eu nunca vou me esquecer de uma professora alemã aqui no Brasil me falando: “Não entendo vocês. Eu circulo por mansões aqui em São Paulo dando aula de alemão e não consigo encontrar bibliotecas para crianças nessas mansões. Quanto tem pra adulto é uma coisa mais pra mostrar, não sei se ela é útil. Eu sou de uma cidade pequena da Alemanha, meus pais eram operários e na minha rua – de filhos de operários, ou seja, a classe trabalhadora – toda casa tinha biblioteca para criança”.

“Criança é criança em qualquer canto, todas elas gostam de histórias, demandam narrativas, precisam ouvir boas histórias. Não existe história para criança em quimioterapia, não existe história para criança abandonada. Existem boas histórias, de qualidade, que vão fazer milhões de coisas bacanas na vida de todas as crianças, em qualquer canto desse Brasil, em qualquer canto do mundo”


E você acha que o fator que mais contribui para a média de leitura do Brasil ainda ser baixa é realmente o preço do livro ou é a questão cultural, de incentivo…?


Tem várias questões aí. Primeiro, vocês falaram do preço do livro. O livro no Brasil é caro se a gente relacionar com o salário mínimo. Estamos falando de 5% do salário, às vezes 10%, depende do livro. É caro. Então, se para o salário mínimo é caro, o poder público teria que estar do lado, formando bibliotecas, esse é o papel. E ele está fazendo isso, ainda lentamente, falta muita biblioteca no país.

Mas o que me incomoda é quando – e aí vem a questão cultural -, a classe média ou a classe média alta falam que o livro é caro! Então, aí eu acho que entra muito mais uma questão cultural do que de grana porque esse mesmo pai ou mãe que fala que o livro é caro, vai comprar para o filho o último vídeo game da moda. Vai reclamar para a escola que o livro de 40 reais é caro, sendo que ele vai dar para o filho o último IPhone, que custa mil e poucos reais! Então, neste ponto, a questão é cultural, de como você enxerga o livro.


Eu acho que tem que existir um trabalho realmente de educação, de formar também os adultos nesse sentido (risos)… É claro, se consumirmos mais livros, eles vão ficar mais baratos. A tiragem no Brasil é pequena porque ela não vende. Então, tem que fazer tiragens maiores e isso é um processo. Acredito que vá acontecer, que a gente vai ampliar, democratizar e uma hora os preços vão começar a cair. Talvez não muito por agora, mas lá na frente.


“Esse mesmo pai ou mãe que fala que o livro é caro, vai comprar para o filho o último vídeo game da moda. Vai reclamar para a escola que o livro de 40 reais é caro, sendo que ele vai dar para o filho o último IPhone, que custa mil e poucos reais”


E como foi a sua relação com a leitura na infância?


Eu tive, na minha casa, pais muito leitores. Se você olhar pra casa da minha mãe, você vai ver uma biblioteca que compete com a minha, pela casa inteira. E o meu pai lia muito jornal, muita revista, lia muito livro. Então, acho que eu tinha essa relação de “poxa, eles não dão bola para mim, mas dão bola para aquilo. O que é aquilo? Deve ser muito bom!”. As minhas filhas têm isso comigo também.


Até hoje brinco muito com minha mãe quando ela vem na minha casa ou eu vou na dela. Quando vamos embora fazemos a revista para ver se ninguém está roubando livro do outro, sabe? (Risos) Ela põe o nome no livro, a gente briga e eu falo assim “esse aqui você pôs o nome, mas é meu! Como você pôs o nome no meu livro?!”. A gente tem essa relação com o livro, que é muito engraçada também…

Ilan Brenman é autor de livros infantis, com cerca de 40 livros publicados. Ele é doutor pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e, o mais importante, pai da Liz e da Íris.


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