Para quem não foi ainda, recomendo fortemente irem às salas de cinema para assistir Divertida Mente 2. Eu já havia gostado do filme de estreia da série e novamente me encantei com a continuação. Não à toa, a produção da Pixar e Disney estourou as bilheterias no Brasil em seu final de semana de estreia, levando 4,5 milhões de pessoas às salas de cinema.
Para quem não assistiu ao filme original ou a este, apenas para situá-los, a animação constrói uma narrativa tendo como personagens as emoções de uma garota, Riley. No primeiro filme, era uma criança e, na nova versão, torna-se uma jovem adolescente que acaba de entrar na puberdade. As personagens-emoções do primeiro filme seguem presentes, mas novas emoções surgem:, Ansiedade, Tédio, Nostalgia, Vergonha e Inveja. Mas, entre todos, é a Ansiedade a protagonista que acompanha Riley em suas aventuras e desafios de sua nova fase de vida.
Que leitura perfeita da nossa sociedade que o filme traz! É impossível sair do filme ileso, sem pensar em como todas essas emoções povoam nossa mente todos os dias. E mais, como a Ansiedade, que como bem retrata o filme, começa a pipocar na adolescência e não nos larga nunca mais. Definitivamente, somos uma sociedade ansiosa. O livro Geração Ansiosa, que em breve chega ao Brasil pela Companhia das Letras, escrito por Jonathan Haidt, psicólogo e professor da Universidade de Nova York, vem para não deixar dúvidas sobre a oportunidade da temática do filme. Embora o foco do livro seja os adolescentes, o crescimento dos quadros de ansiedade não é apenas “privilégio” dos jovens, infelizmente. Mesmo sendo um mal coletivo dos tempos atuais, dados recentes mostram que em 2023, pela primeira vez, os registros de ansiedade entre adolescentes superaram os de adultos.
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Acho que como pais esse é um tema muito importante e que merece gastarmos um tempo para refletirmos sobre ele. Podemos colocar a conta desse mal em vários fatores, mas cabe a nós pais, entendermos qual é nosso papel e responsabilidades nessa disparada da ansiedade. Por conta disso, trago alguns temas para pensarmos juntos.
1. Pais ansiosos, filhos ansiosos. Mesmo que não seja uma causa e efeito tão imediato, em parte essa correlação tem lá seu fundo de verdade. Se nós como pais vivemos nessa mesma sociedade e estamos cada vez mais ansiosos, é natural que transmitamos isso aos filhos. Tratar a nossa própria ansiedade é um bom primeiro passo para rompermos esse ciclo.
2. Mais telas, mais ansiedade. Esse tema é um dos mais urgentes e que precisamos freá-lo de alguma forma. Para isso, recorro à Alessandra Gomes, da agência McCann Health e criadora da campanha Infância Livre de Tela. Apoiada em dados, essa iniciativa super importante, mostra o aumento alarmante do uso de dispositivos eletrônicos e tem como objetivo conscientizar pais e demais responsáveis por crianças sobre os riscos associados a essa exposição. Segundo a pesquisa de 2019, cerca de 8 milhões de crianças foram expostas a discursos ofensivos, enquanto 2,8 milhões visualizaram formas de se machucar a si mesmas. Além disso, 77% das crianças enviaram mensagens instantâneas quando estavam sozinhas. Esses dados por si só já são mais do que suficientes para entender de onde vem tanta ansiedade em nossas crianças.
3. Mais rápido, mais ansiosos. O mundo perdeu a medida do tempo e ficou unilateral. Hoje apenas o rápido tem vez. Aliás, quanto mais rápido, melhor. Aceleramos nossas vidas em muitos sentidos. Cada vez mais cedo buscamos saber o sexo do bebê, não nos contentando em descobrir apenas após o nascimento. Crianças são alfabetizadas, em alguns casos, em duas línguas, e se for depois dos 6 anos já começa a preocupar. Também aceleramos a velocidade dos audiolivros ou de filmes no streaming e até mesmo no WhatsApp, para consumir mais em menos tempo. Organizamos as agendas de atividades dos filhos pulando de uma para outra, resultando em agendas mais atarefadas do que de muitos adultos. A fantasia que move toda essa aceleração é a lógica do mundo contemporâneo: não há tempo a perder, nem mesmo quando se é criança. Será que não estamos permitindo que Chronos, o Deus do tempo, também devore nossas crianças? Porque, com certeza, nós adultos já fomos devorados!
4. Mais ansiedade, menos sono. Escuto muitos pais de filhos pequenos se queixarem do quanto é difícil desligar o botão deles à noite e fazê-los dormir. Queixas que demoram a pegar no sono ou que acordam infinitas horas são recorrentes. Mais um mal do século, os distúrbios do sono, rondando nossas crianças. Os motivos que levam a isso são vários e seria simplista dizer que apenas a ansiedade é a responsável. Mas é também cego acharmos que ela não tem peso nenhum.
Os 4 pontos acima não esgotam de forma alguma a reflexão sobre o tema, mas podem ser um ponto de partida. O filme, de forma lúdica, nos alerta sobre algo que está escancarado em nossas vidas e, o que é pior, na vida de nossos filhos. Talvez, de forma leve, nos traga um alerta para todos nós a quem quiser vestir a carapuça. Eu, mesmo com filhos crescidos, já vesti a minha. E, como não poderia deixar de falar: recomendo fortemente a todos os pais assistirem Divertida Mente 2. Se for com os filhos, melhor ainda.
