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Nomear o futuro: o conceito ancestral dos nomes africanos

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Publicado em 18/04/2022, às 08h38 por Toda Família Preta Importa


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**Texto por Alan Felix da Paixão dos Santos (Alan Alaafin), pai de Melissa e Zahara, e aguardando a chegada de Akin ou Dandara. Professor de História. Poeta diaspórico da cidade de Salvador. É mestrando em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas (UFRB). É escritor que usa a rede social para escurecer e afrocentrar as ideias

Os nomes dizem muita coisa e podem ajudar a empoderar uma criança negra (Foto: Unsplash)

Eu estava ouvindo a canção “Atlântico (Calunga Grande)”, do rapper Thiago Elniño, na minha playlist, enquanto regressava do trabalho. Geralmente, quando escuto esse rap, paro nos seguintes versos: “Eu já escolhi o nome dos meus filhos / mesmo sem saber se um dia vão nascer (…) menino, pra você eu tenho um nome de rei / menina, pra você, um nome de rainha”. Os versos reacendem alguns pensamentos que nutro desde antes de me tornar pai em 2011, um deles é a escolha de nomes africanos para crianças negras na diáspora brasileira.

Escolher nomes africanos para nossas crianças é resgatar nossa identidade ancestral, memória coletiva e criar estratégias de enfrentamento ao epistemicídio, imposto aos corpos negros africanos pelo colonialismo no processo de tráfico de escravizados no transatlântico. Esses corpos africanos que foram forçados a migrar para a América por meio de um sequestro, foram coisificados, transformados em mercadorias e passaram por um processo de batismo antes de serem embarcados para as terras brasileiras. Nesse ritual católico, ao desembarcarem no Brasil, eles tiveram seus nomes originais trocados por nomes novos oriundos de brancos-cristãos.

A violência colonial-escravista-cristã provocada pela mudança de nome afetou a maneira como nós nos percebemos e como os outros nos percebem. E, ainda hoje, notamos como a continuidade dessa violência permanece em nosso imaginário social ao estranharmos as escolhas de nomes de origem africana para crianças negras diaspóricas. Por isso, sempre escuto um tom de anormalidade quando falo que minha segunda filha se chama Zahara. É comum, após a revelação do seu nome, as falas de estranhamento ou curiosidade sobre a origem do nome e o porquê da escolha.

A escolha do nome de Zahara — palavra oriunda do Swahili, língua de origem banto, que nessa língua significa flor — foi resultado de uma consciência africana que me possibilitou entender o nome como um gerador de um senso de destino, de acordo com Sobonfu Somé; além de conceber como uma forma de Ser/Estar no mundo, segundo Molefi Asante, que nos convida a pensar, através do nome, a nossa própria localização cultural, epistemológica e psicológica, enquanto sujeitos africanos e afrodiaspóricos.

Para além dessas reflexões, pensar o nome africano para uma criança é lidar com uma outra tradição africana: o poder da palavra. Lembro das minhas avós, Dinha (Maria Ignez) e Nicinha (Eunice), duas mulheres iniciadas na espiritualidade de matriz africana, o candomblé, recorrentemente falarem que a palavra tinha poder. Nesse sentido, Amadou Hampaté Bâ nos alerta que as palavras, segundo as tradições africanas, principalmente na zona de savana ao Sul do Saara, possuem um valor moral e um caráter sagrado associado à origem divina e à força oculta nelas depositadas.

Nessas percepções africanas, o nome configura uma ordem espiritual/divina, estabelecendo uma ligação entre o sujeito e o significado. A sacralização do nome é a sacralização do sujeito, sendo um saber que as comunidades-terreiros nos ensinam quando o/a iniciado/a recebe um nome ancestral na ocasião da feitura. Tal resgate ancestral rompe com o referencial branco-ocidental que entende o nome como um marcador de diferenciação e reconhecimento identitário das pessoas humanas.

Entender o poder da origem nos nomes africanos nos faz refletir sobre o empoderamento negro (Foto: reprodução/Arquivo Pessoal)

Outro fator importante nessa discussão é o processo de construção da nossa identidade negra-africana, pois quando adotamos nomes africanos em nossas crianças ou utilizamos nomes africanos para reconhecimento social — por exemplo, eu adotei o nome Alaafin — desenvolvemos a nossa aceitação, afirmação e pertencimento racial, e construímos uma humanidade que nos foi negada historicamente.

Restabelecer essa humanidade através de nomes africanos para nossas crianças negras é ao mesmo tempo, restabelecer nossa humanidade enquanto pais negros e mães negras, e isto, dialoga profundamente com qual modelo familiar estamos reelaborando para nossa comunidade negra.

Por fim, eu, não estou dizendo que após ler este texto, você deva obrigatoriamente nomear seus filhos e filhas com nomes como Akin, Dandara, Amara, Imani, Kwane e Zaki. Mas, espero que reflita sobre o quanto ainda a colonialidade opera em nosso imaginário de modo (in)consciente que o faz acreditar que não temos nossas próprias línguas, não somos membro de grupos sociolinguísticos e culturais.


Palavras-chave
racismo educação antirracista nomes cultura afrobrasileira passado

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