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Um duro adeus

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Publicado em 17/10/2011, às 22h00 - Atualizado em 10/05/2021, às 10h12 por Redação Pais&Filhos


Não chorei quando, após pouco mais de um ano juntos, crepitando na cama e nos estranhando em quase tudo fora dela, decidimos nos separar. Não nessa hora. Éramos, então, jovens e tolos demais para achar que um passo tão banal nos nocautearia. Por isso, presumo, aquele adeus nos pareceu tão simples e óbvio. Num sábado, após o café da manhã, estava tudo acertado. Negligentemente. Como quem apaga o derradeiro cigarro de um dia. Na segunda-feira, bem cedo, o carro desceu de ré a ladeira da vilinha paulistana em que vivíamos. Ao volante, ela, seus cachos ruivos e rosto de menina, em cujos olhos pude ver de relance uma lágrima. No banco de trás, alheio a tudo em sua cadeirinha, um bebê. Paulo. Nosso filho. Ao vê-los partir, pressenti turbulências. Mas eu estava exausto. Tomei um calmante e voltei a dormir. Voltei a dormir, a comer bobagens, a beber até tarde, a juntar louça suja na pia e a vagar sem muito norte pelas noites e dias. A louca cavalgada dos solteiros. Mas ficara um buraco. Cadê meu menino? Uma estranha amargura roubava-me, a cada manhã, um pouquinho de ar. Um dia me asfixiou.

Pouco antes da Páscoa, a mãe me ligou, dizendo que passariam o feriado na praia. A notícia me pegou de jeito. Meu primogênito veria o mar pela primeira vez – e eu não estaria ali, para ajudá-lo a olhar. Meu menino, as ondas, baldinhos de plástico, esteiras e guarda-sóis na areia… A foto perfeita – e eu fora dela. Era o primeiro vagalhão do meu tsunami interior.

Por um bom tempo, comi o pão que o diabo amassou. É assustador como uma separação pode se parecer com a morte. Quando se tem filhos essa sensação de perda se acentua. Em seu livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, o escritor José Saramago fala de uma tal “dor sem remédio”. Deve ser essa. Alguém morrera. Provavelmente o menino dentro de mim que, no fundo, sonhava ter uma família duradoura e feliz.

Duvido que meu casamento tivesse resistido. Mas me arrependo até hoje de ter tratado seu desfecho com desdém. Não dei ouvidos ao menino que pedia que eu lutasse mais. Como sofria com seu chorinho, sufoquei-o, para abreviar minha aflição. Um comportamento tolo e pueril – que, à época, eu simplesmente não conseguia enxergar. Só depois, com as lições maravilhosamente simples que o tempo nos dá. Como esta: filhos são sagrados!

Graças a esse mesmo tempo, aquietei. E a vida acabou me brindando com um segundo casamento cuja doçura pretendo desfrutar pelo resto de meus dias. Meu garotão também sofreu – mas conseguiu sobreviver relativamente incólume aos fatos. Em suma: a vida foi em frente.

Mas trago até hoje uma pequena cicatriz. Aquele carro descendo a ladeira ainda dói. Como cortes que não cicatrizam jamais. Como um sonho feliz que eu, negligente, permiti que a vida me roubasse. Ainda me pergunto o que ela, por detrás daquela lágrima, e ele, o pequenino, alheio a tudo em sua pureza, esperavam que fizesse aquele rapaz. Eu – que, minutos depois, tomaria um calmante. E voltaria a dormir.

José Ruy Gandra, pai de Paulo e Pedro, é jornalista e autor do livro Coração de Pai  – Histórias Sobre a Arte de Criar Filhos (Ed. Livros de Safra).


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