Família

Entrevista : Bernard Golse

Imagem Entrevista : Bernard Golse

Publicado em 27/12/2012, às 08h00 por Redação Pais&Filhos


27/12/2012

Por Larissa Purvinni, mãe de Carol, Duda e Babi

A mãe suficientemente boa é aquela que se permite ser imperfeita. A afirmação é do psiquiatra infantil e psicanalista francês Bernard Golse, pai de Veronique e Nicholas, um dos pediatras mais respeitados do mundo, que esteve no Brasil em maio para uma série de conferências, numa iniciativa do Instituto da Família, presidido pelo nosso colunista, o pediatra Leonardo Posternak, da Abebê (Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê) e do Infans (Unidade de Atendimento ao Bebê), ONG que atende gestantes, pais e bebês. Golse abriu espaço numa agenda recheada de compromissos para receber a Pais e Filhos. Entre outros assuntos, ele falou sobre depressão materna, do bebê e do pai. Nas ilhas japonesas de Goto, por exemplo, as mães que acabaram de dar à luz ficam um mês na cama, com seus bebês ao lado. Durante esse tempo, avós, tias e outros parentes vêm tomar conta delas. Não se espera que façam nada, só que alimentem seus filhos e se recuperem. São cuidadas como bebês. Ajudar mães e bebês é um investimento que as sociedades que chamamos de desenvolvidas precisam fazer para economizar mais tarde tratando de adultos violentos, infelizes… E é isso que Golse defende.
Os bebês são nossa última utopia. Depositamos neles toda a esperança de um mundo melhor, mas, ao mesmo tempo, somos muito exigentes com eles. Precisam ser no mínimo perfeitos. Das mães, não se exige menos. E, além de tudo, devem ser felizes. O nascimento é cercado de idealização. Temos a obrigação de ficar contentes, e qualquer sentimento diferente (tristeza, insegurança…) é mal-visto e, por isto, escondido.
O resultado é que a mãe pode ficar deprimida e ninguém perceber. Quer dizer, os adultos que a cercam são capazes de não reparar (ou não querer reparar), mas o bebê percebe sempre. E quanto mais discreta a depressão que a mãe apresenta, pior para o filho, já que os adultos não vêm ajudá-la. E aí aparecem os sintomas clássicos, como falta de sono, problemas de apetite, entre outros. É o filho tentando reanimar a mãe, como que dizendo: “Eu estou aqui”. Bernard Golse critica o fato de as mães serem liberadas da maternidade no segundo ou terceiro dia após o parto. “Esse é um meio que a sociedade se deu para não detectar o risco de uma depressão materna.” Ele defende que é preciso encontrar formas de acompanhar a mãe, com visitas a domicílio ou com pediatras treinados.
Rompendo o ciclo
De acordo com Golse, a questão não é saber quem se deprimiu primeiro, a mãe ou o bebê, mas romper o ciclo vicioso. “Culpar a mãe não vai ajudar o bebê. Dizendo que a depressão dele vem dos pais só conseguiremos acentuar a depressão do bebê que, depois, se recriminará por não ter sabido cuidar dos pais, torná-los suficientemente bons.” Além da mãe, o psicanalista acredita que é importante dar atenção ao pai. “Durante a gravidez toda a atenção materna se volta para o bebê. Para não ser abandonado, muitas vezes o pai abandona a mãe antes”, conta. E isso aumenta ainda mais os riscos de depressão materna. “A mãe espera que o pai seja maternal, mas alguns não têm a mínima vocação para avó”, brinca. O currículo desse especialista fala por si: é psicanalista, chefia em Paris o Serviço de Psiquiatria Infantil do Hospital Necker-Enfants Malades, leciona psiquiatria infantil da criança e do adolescente nas Universidades Paris V e Paris VII, é membro superior do Conselho Superior de Adoção, na França, e presidente do Grupo WAIMH (World Association for Infant Mental Health) da Língua Francesa.
Você diz que é possível perceber as qualidades do futuro psicanalista já no bebê. Como é isso? 
Certas qualidades inerentes ao psicanalista já estão presentes no bebê, principalmente a capacidade de observação, a atenção ao que está à sua volta. Mas não é nesse momento que ele define que vai ser psicanalista quando crescer (risos). Porém, no dia em que tomar essa decisão, essas qualidades vão ser úteis. Há bebês que conseguem ajudar os pais com algum sofrimento psíquico. Ao modo deles, claro. Mais tarde, essa vocação pode se enraizar.
O que o bebê faz exatamente tentando ajudar os pais?
Em crianças bem pequenas, é o corpo o principal vetor da comunicação. Há toda uma série de sintomas físicos possíveis de ser uma maneira de ajudar a mãe, como para dizer a ela: “Eu também existo”. Podem ser distúrbios do sono, dificuldades de alimentação, distúrbios digestivos. O importante é perceber que função eles desempenham. Às vezes, os adultos entendem a situação. Em certos casos de depressão materna, a mãe chega a dizer: “Ainda bem que o bebê estava comigo”. 
A maioria dos casos de depressão materna não é diagnosticada. Os sintomas que o bebê manifesta, nessas situações, poderiam ser um modo de perceber que a mãe está deprimida?
Muitas vezes, as depressões maternas passam despercebidas pelos outros adultos. Mas não pelo bebê. Ele sente a depressão da mãe durante muito tempo. Porque, nos casos em que a depressão não é notada, os outros adultos não vêm ajudá-la. Então, os sintomas do bebê podem ser justamente uma maneira de levar à pergunta: “Será que não é a mãe que está com problemas?”. A questão é que, por enquanto, esse é um raciocínio de especialistas, não está ainda suficientemente difundido entre o grande público. Nem mesmo entre os próprios pediatras. Esse é um grande problema de saúde pública. 
No Brasil, ainda não é tão comum que os pais procurem apoio psicológico. A mãe fala mesmo é com o pediatra. Dr. Leonardo Posternak, nosso colunista, criou o Instituto da Família, que defende que os médicos cuidem da família e não apenas da criança, por exemplo.
Sim, isso é uma razão a mais para formá-los corretamente. Em geral, nesse campo de estudos, falamos muito de depressão materna. Por um lado, isso é bom mas, por outro, não. É uma coisa positiva porque o problema é real. Aproximadamente 15% das mães vão ficar realmente deprimidas após o parto, e isto pode trazer dificuldades para o bebê a curto, médio e longo prazos, se não há terceiros capazes de intervir para protegê-lo. A situação no Brasil é essa que a gente conhece, mas, mesmo na França, ela não está boa. As pessoas têm muita dificuldade para admitir a realidade da depressão materna. Quando afirmei que poderia ser uma coisa ruim, quis dizer que é importante não falar só disso. Existem problemas que acontecem antes do nascimento. 
E, além da mãe, o pai enfrenta dificuldades. Depois do nascimento, não ocorrem apenas depressões, há toda uma série de situações psicopatológicas que trazem riscos à criança.
Quem são esses terceiros que você menciona e que poderiam ajudar a mãe? Além do pai, quem mais seria capaz de perceber o problema?
O pai (se estiver lá), a avó materna ou paterna e outras pessoas, dependendo do contexto cultural. O grupo familiar é importante em alguns países mais do que em outros. Em determinadas culturas há grupos de mulheres que apóiam a mãe, o grupo dos anciãos…
Nas grandes cidades, às vezes nem mesmo os avós estão presentes. 
Os pais estão cada vez mais isolados e, muitas vezes, a mãe cria o bebê sozinha, sem a presença do pai. Isso provocou um aumento nos índices de depressão materna?
O isolamento é fator de risco muito grande. Independentemente dos 
cuidados específicos, precisamos pensar a organização da vida nas cidades, quais são os recursos para uma mãe só. Quando a gente atende uma mãe em dificuldades durante esse período logo após o parto, muitas vezes o essencial da avaliação de risco é saber quais são as pessoas que podem apoiá-la. 
Você diz que hoje o tempo que as mães passam na maternidade após o parto é muito curto e isto dificulta ainda mais que as depressões pós-parto sejam identificadas, já que o baby blues (tristeza pós-parto), que poderia dar pistas dos riscos de desenvolver depressão, acontece depois deste período.
O baby blues [que acontece em torno do quarto ou quinto dia e atinge mais de 80% das mães] poderia ser a ocasião para detectar o risco de desenvolver a depressão, mas não a única. Uma sociedade deve criar os meios de não perder de vista as mulheres que deram à luz, não só após o quarto ou quinto dia, mas, também depois. As visitas ao pediatra são uma boa ocasião, porém aí a gente cai na questão da formação dos médicos. Considerando o problema do isolamento das mulheres nas cidades, visitas a domicílio seriam necessárias. Alguns países deslocam profissionais, que têm ao mesmo tempo formação psicológica e social, para esse tipo de trabalho. Cada país deve encontrar suas próprias soluções. Mas, quaisquer que sejam elas, há a questão financeira, que só pode ser resolvida se as instâncias políticas estiverem mobilizadas. Ajudar os bebês significa que a sociedade economizará quando eles forem adultos. Se os bebês estiverem bem, os adultos que eles serão também ficarão bem. Acontece que a economia que isso gera é para daqui a 30 anos, mas os políticos querem ver o resultado do investimento de suas verbas no prazo máximo de cinco anos… 
A superidealização da figura da mãe, em países católicos como o Brasil, 
é um fator que dificulta o diagnóstico da depressão pós-parto?
Por que quando falamos da figura materna temos de nos referir sempre a Maria? Eu diria que existem muitas boas mães, mas as santas são exceção (risos). Podemos dizer que a mãe que chamamos de suficientemente boa é aquela que se permite ser imperfeita. A exigência de perfeição traz sofrimento a todos. Se a gente espera do bebê que ele seja perfeito, ele encontrará grandes dificuldades. Com todos os avanços do diagnóstico pré-natal, as pessoas sentem o direito de ter um bebê perfeito. Então, a decepção é enorme se ele apresenta anomalias, o que agrava ainda mais a situação. Do mesmo jeito que, se a gente espera da mãe que ela seja perfeita, acentuamos a sua vergonha, o seu sentimento de culpa quando ela acha que não corresponde a esta imagem. Ajudamos muito a mãe se mostrarmos que ela tem o direito de não ser perfeita. A gente não tem de ser perfeito todo dia, o tempo todo. O que nos permite dizer que uma mãe suficientemente boa é, às vezes, também uma mãe suficientemente má. 
E o pai? As depressões que o afetam começam a ser percebidas também agora. Como elas se manifestam?
As depressões do pai ainda são bem menos estudadas que as maternas. Quando acontecem, muitas vezes ele simplesmente vai embora. A gestação mexe demais com o corpo 
da mulher, as relações sexuais ficam mais conflituosas, a imagem da mulher grávida remete à imagem da mãe dele. Talvez isso aconteça principalmente no caso do primeiro filho, que capta todas as atenções da mãe. O pai vai se retraindo por causa dessa rivalidade com o filho. Uma outra manifestação da depressão paterna são sintomas físicos muito banais, como cansaço, o pai engorda, sente-se sozinho… No caso do ganho de peso, pode ser um sintoma depressivo mas, também, uma maneira de se identificar com a mãe.
A mãe ainda é atendida pelo obstetra durante a gravidez, vai com freqüência ao pediatra… Mas, e o pai?
O ideal seria que as visitas pré-natais e pós-natais incluíssem sempre o casal, mas isto é difícil porque os pais trabalham. Talvez as visitas médicas pudessem ocorrer aos sábados ou à noite. Em todos os países, o obstetra tem papel importante. Precisamos pensar que a criança é do casal, não apenas da mãe. A Finlândia é um país onde essa concepção está avançada. Há um sistema de atendimento no pré e no pós-parto que acompanha o casal. 
Com as técnicas de fertilização, hoje é possível selecionar embriões com menor possibilidade de ter problemas genéticos. Houve aumento no número de gêmeos e prematuros. O que mudou para o bebê e para os pais?
O nascimento de múltiplos aumenta o risco de depressão materna. É muito difícil se ocupar de gêmeos. E nem estou falando de trigêmeos ou quadrigêmeos. Eles exigem um trabalho físico muito grande. E a mãe sente enorme culpa quando cuida de um e deixa o outro na espera. Em sociedades consideradas mais primitivas que a nossa, nunca deixam a mãe sozinha com gêmeos ou trigêmeos. Nesse sentido, as sociedades urbanas são perigosas. No caso da prematuridade, o problema mais importante é que o início da relação mãe-bebê é dificultado pela separação no ambiente hospitalar. Quando o bebê vai para casa, a mãe precisa se ocupar dele não como enfermeira, mas como mãe de fato. 

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