Criança

Criança Transexual: menino ou menina?

Imagem Criança Transexual: menino ou menina?

Publicado em 03/06/2015, às 14h21 - Atualizado em 02/07/2021, às 14h01 por Adriana Cury, Diretora Geral | Mãe de Alice


Érick nasceu e cresceu em Campinas, cidade do interior de São Paulo. Filho de Antonio Carlos e Maria Jesuína, hoje tem 36 anos, é casado com a psicóloga Bárbara e tem dois enteados, Rafael e Vinicius. Mantém uma ótima relação com os meninos, os considera como filhos. Érick não seria assunto desta matéria se não tivesse nascido Érica Regina. Enxoval rosa, bonecas no quarto, duras aulas de sapateado foram, aos poucos, se transformando em brincadeiras com os primos, roupas largas e nãos definitivos para pulseiras, brincos e vestidos. A cabeça de criança sentia que havia algo de errado naquele corpo, mas que, um dia, as coisas se encaixariam. “Eu achava que alguma hora tudo ia se ajeitar, porque aquele corpo definitivamente não era o meu”, diz.

Na década de 80, quando pesquisas sobre o assunto começaram a engatinhar, Érick se revelou transexual. Teve o apoio da família e hoje pode contar sua história para o mundo. Sua esposa, Bárbara Dacanale Menêses, é especialista em sexualidade e psicóloga no Centro de Referência Especializado em Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros e explica que nossa identidade de gênero não se resume aos nossos órgãos sexuais. Ela é, na verdade, resultado de como nos sentimos e de nossa imagem física.

Complicado, a gente sabe. Felizmente, Érick teve o apoio dos pais, que desde que ele tinha 4 anos o levaram para um acompanhamento psicológico. Mas nem sempre é assim. A dificuldade atinge diferentes esferas. Passa pela pessoa e seu processo de conhecimento e busca pela real identidade, pelos pais e, por fim, por toda a sociedade. E a gente tem de falar sobre isso, sim!

Em tempos de polêmicas causadas por um beijo entre mulheres na novela de maior impacto nacional, muitos pais se perguntaram: “Como vou explicar isso para o meu filho?” Nossos filhos são mesmo curiosos e nosso dever é ajudá-los. Mas, acredite, para as crianças é fácil aprender que existem diferenças entre as pessoas e que elas precisam ser respeitadas. Érick não notou isso só durante sua infância, ele percebeu o mesmo com os filhos de sua esposa. Os dois têm bastante contato com pessoas transgênero, até por causa do trabalho da mãe, e essa convivência ajuda a deixar o preconceito bem longe. “É uma luta diária para educar os meninos, o mundo lá fora é muito preconceituoso. Mas continuamos insistindo sempre”, contam Érick e Bárbara.

A gente vê todos os dias na internet, televisão, jornais e redes sociais casos de crianças transgênero. Por causa de todas essas histórias, a Pais&Filhos foi procurar entender melhor e trazer nesta edição como algumas pessoas desde pequenas contradizem o que o mundo determina que elas são antes mesmo do nascimento, sejam elas menino ou menina.

Vamos com calma. Para entender bem o que significa ser um homem ou uma mulher transexual, é importante saber o que cada um desses termos significa. Uma pessoa pode ser cisgênero ou transgênero. Cisgênero é quem se identifica com o gênero correspondente ao sexo biológico, ou seja, nasceu com vagina é uma menina, nasceu com pênis é um menino. É o que todo mundo considera regra. Transgênero é a pessoa que contesta essa regra, que não tem seu gênero definido pelo sexo biológico. Já a pessoa transexual se identifica com o gênero oposto ao sexo que nasce (é bom lembrar que todo transexual é transgênero, mas nem todo transgênero é transexual).

Quando uma menina nasce, o enxoval é todo rosa, ela terá dezenas de vestidos e os primeiros brinquedos com certeza serão bonecas. Se o bebê é um menino, o mundo fica todo pintado de azul. Carrinhos, robôs e bolas começam a fazer parte do seu cotidiano. Essas crianças começam a ouvir desde muito novas frases de ordem como: “menina, senta direito, você já é uma mocinha”, “menino, para de chorar, menino não chora!”, “olha que menininha linda, tão delicada”, “esse menino vai ser um grande conquistador”.

As crianças vão crescendo ouvindo e acreditando nessas máximas e outros elementos vão sendo colocados no universo delas, até estar bem claro na cabeça de todo mundo o que são coisas de mulher e coisas de homem. “Mesmo as crianças que não são transexuais são influenciadas negativamente por esses estereótipos desnecessários. Cores são só cores. Brincadeiras e fantasias são extremamente importantes para que todas as crianças vivenciem diferentes papéis e possam se desenvolver psicológica, física e socialmente”, ressalta Bárbara.

Família é tudo

A gente sabe que o apoio da família é essencial em qualquer situação, mas, na hora de assumir a transexualidade, se sentir acolhido pelas pessoas mais próximas é muito importante. “No momento em que Érick começou a dizer que era um menino, apoiamos desde o início. O que importava para nós dois era fazê-lo se sentir bem. Decidimos não tentar forçar nada”, conta a mãe de Érick.

Érick até já participou do programa de televisão Na Moral, da Rede Globo, para falar sobre a transexualidade. “Muita gente transexual vem me pedir para falar com os pais. Um menino até tatuou um trecho de uma música que eu compus”, conta. Ele já fez algumas cirurgias para deixar seu corpo mais masculino e passa por tratamento hormonal e participou do documentário Questão de Gênero, que fala da história de sete homens e mulheres em busca de sua própria identidade.

Os familiares são as primeiras pessoas com quem a criança vai estabelecer laços e criar vínculos. Se dentro de casa a criança não recebe apoio, o sentimento de rejeição vai crescer cada dia mais. As reações podem ser várias: ela fica muito agressiva, introvertida, não consegue fazer amigos nem se expressar direito, vai mal na escola e deixa de gostar de si mesma. E isso não vai só prejudicar a infância, mas também a adolescência e a idade adulta. Se já é difícil passar pelo processo de assumir um gênero diferente daquele que as pessoas esperam, imagina fazer isso travando uma batalha contra a própria família? Nessa hora, o colo da mãe, o conselho do pai e os abraços dos irmãos fazem todo o bem do mundo.

Vinícius Abdala, pesquisador no Centro de Referência em Direitos Humanos de Belo Horizonte, Minas Gerais, está cursando uma extensão em Gênero e Sexualidade. Filho de Márcia e Maurício, ele namora e está planejando se casar com Sofia Ricardo, mulher transexual. Durante sua pesquisa, Vinícius viu de perto que as famílias normalmente têm dificuldade de perceber o que está acontecendo e confundem a identidade de gênero com a orientação sexual, outro preconceito que precisa ser combatido. “Os pais acreditam que a transexualidade é, na verdade, uma manifestação da homossexualidade, mas de forma exagerada. Mas quando há apoio e compreensão da família, a criança se sente mais segura e cria mais autonomia para lidar com discriminações”, esclarece Vinícius.

“Este corpo não é o meu”

Para a psicoterapeuta de adolescentes e adultos Cecília Zylberstajn, mãe de Sharon e Ilana, a criança começa a perceber o próprio gênero quando ela passa a dizer que é do sexo oposto ao de nascimento não como uma brincadeira, nem como fantasia, mas por causa da identificação. “É compreensível que haja um choque inicial para os pais”, explica Cecília. Nessa hora, os pais ficam assustados e rejeitam a ideia, muitas vezes porque estavam há muito tempo identificando o filho por meio de um gênero, desde o ultrassom.

Um estudo recente realizado pela Universidade de Washington, nos Estados Unidos, e publicado pela revista Psychological Science concluiu que as crianças transgênero começam a reivindicar um gênero diferente ao mesmo tempo que as crianças cisgênero se identificam com o gênero correspondente ao sexo biológico, por volta dos 2 anos. “É como se a criança olhasse no espelho e não se reconhecesse. É uma expectativa constante de que ela vá acordar no corpo certo”, explica Bárbara.

Muitas vezes, nós tendemos a achar que, o que é brincadeira para nós, também não é sério para nossos filhos. “A diferença é que a criança não estará fantasiando que é um menino ou uma menina, ela realmente acredita que é. Se os outros a aceitam assim, ela sente liberdade para expressar sua identidade. É extremamente angustiante quando ela não tem essa aceitação”, afirma Cecília. O uso do nome social, ou seja, do nome pelo qual a criança gosta de ser chamada, também é importante. Tem a função de amenizar a solidão que a criança vai sentir no processo de aceitação.

“Chamar a criança pelo nome que ela escolhe é sinal de respeito pela identidade dela. Vai dar legitimidade pública a uma vivência interna. Vai fortalecer a criança”, diz Clarissa de Franco, chefe da Seção Psicossocial da Universidade Federal do ABC, psicóloga e mãe de Daniel e Leonardo. Afinal, não custa nada para nós respeitarmos esse desejo, seja em casa, entre amigos ou na escola. Pode ser um pouco demorado para que isso se torne natural, mas vale o esforço. A mesma coisa acontece para os apelidos.

Você vai precisar de ajuda

Algumas vezes, os pais ou não enxergam ou se negam a ver o que está acontecendo com seus filhos e a escola pode desempenhar um papel importante. A coordenadora pedagógica do Colégio Arbos de Santo André (São Paulo), Deyse de Castro Silva, mãe de Bruno Henrique, observou que pelo menos duas crianças da escola são transexuais, mas os pais não admitem a situação. “Percebemos por meio da nossa observação que essas crianças mostram gostos diferentes daqueles que são atribuídos ao seu gênero esperado”, explica Deyse, que já tentou conversar com os pais das crianças, sem sucesso. “É muito raro que a família assuma. Algumas até mesmo por motivo religioso.”

A escola não chama os pais para dizer com todas as letras que as crianças são transgênero, mas marcam reuniões para contar o que os professores e coordenadores observam. Na sala de aula, os professores interferem apenas se acontece alguma briga, deboche ou discussão. Para ninguém sair magoado, eles buscam sempre mostrar que as diferenças são muito positivas para a convivência entre amigos. É aquele velho ditado: o que seria do azul se todo mundo gostasse de vermelho?

Quando existe uma criança transgênero na família, é hora de procurar ajuda para lidar com esse momento delicado e estabelecer um canal aberto de comunicação entre a família. Por isso, a ajuda de profissionais como pedagogos e psicólogos é muito bem-vinda. “Como qualquer outra pessoa, as pessoas trans e suas famílias procuram um psicólogo quando estão em crise sobre seu lugar no mundo. Existe aí uma questão que vai muito além do gênero”, explica Clarissa. Ou seja, nossos filhos não vão e não devem se resumir apenas em ser transgênero, e o psicólogo vai ajudar a reajustar o dia a dia de todo mundo. “Nossas escolhas trazem mudanças e rompimentos, e isso pode ser muito doloroso.”

Na hora de procurar ajuda, é muito importante que o especialista entenda sobre identidades transexuais, para que o caso não seja tratado como uma doença, o que de fato não é. “O profissional também vai ajudar a criança a lidar com os preconceitos que ela vai enfrentar em vários lugares”, explica Vinícius Abdala. A busca por alguém que esteja bastante envolvido com esse tema vai abrir caminho para manter a família unida ao lado da criança.


Palavras-chave
Comportamento

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